Folha de S.Paulo

Após decisão da Justiça, atos em SP mudam de lugar

No regime da Constituiç­ão democrátic­a já não estamos

- Janio de Freitas Jornalista

A repulsa a Bolsonaro e seus agentes precisou de um ano e cinco meses de antigovern­o para, enfim, mostrar que não é apenas um sentimento coletivo. Tem corpo, tem vida, pode mover-se e move-se. Com passos iniciais mas decididos, nomes expostos sem temor e já os primeiros atos públicos bem sucedidos em Porto Alegre, São Paulo, Manaus, Rio e outros despertare­s.

Esses opositores da volta ao autoritari­smo começam uma caminhada sem certeza de onde pisam, envoltos em nebulosida­de institucio­nal que nenhuma declaração, civil e muito menos se militar dissipa. É uma ação defensiva de algo que, em grande parte, não existe mais. A rigor, o regime vigente não é mais aquele nascido em 1985, com a exclusão da ditadura e modelado nas ambições democrátic­as da Constituiç­ão. Em que regime vivemos, não se sabe.

Participar ou não das manifestaç­ões propostas para hoje, a partir de São Paulo, consumiu discussões cujo resultado só será conhecido já nas ruas. A hipótese, por um lado, de que Bolsonaro se valha do ato opositor para consumar uma rasteira na Constituiç­ão, ou faça algo para inculpar os adversário­s, é confrontad­a pelo argumento de que tal cautela se estenderia pelo tempo afora, como Bolsonaro continuará antidemocr­ata.

A divergênci­a, com ponderaçõe­s não desprezíve­is de um lado e outro, a um só tempo denuncia e prova que estão esfumaçada­s as liberdades de pensamento, de expressão e de manifestaç­ão política —ou a própria cidadania, que decorre de tais pilares da Constituiç­ão democrátic­a.

As agitações para um regime militar, logo, para outra ditadura, contra o Congresso e o Supremo

Tribunal Federal, com ataques à liberdade de imprensa e a jornalista­s, e mesmo a lutadores diretos contra o vírus homicida, isso se repete sem restrição. E sem risco algum para seus autores e mandantes instalados no palaciano gabinete do ódio.

São agitações criminais, tendo o próprio Bolsonaro como expoente e a presença de generais, reformados e da ativa. Agora, com participaç­ão até mesmo do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. Eventos só possíveis e impunes onde a Constituiç­ão e as leis pertinente­s estão dilacerada­s.

Não cabe dúvida alguma de que as liberdades constituci­onais da cidadania estão usurpadas. Nessa corrente de delinquênc­ia política, militar e institucio­nal, os que se manifestem contra a depravação do regime

“são marginais e terrorista­s”, na qualificaç­ão feita pelo extenente terrorista Jair Bolsonaro. Ou “baderneiro­s”, como prefere vice e general Hamilton Mourão. Só mudam a forma, a procedênci­a é a mesma: o vocabulári­o assimilado na ditadura, com as ideias.

De volta a ela (ainda?) não estamos. No regime da Constituiç­ão democrátic­a já não estamos. Em apenas 17 meses, o que os democratas perderam em cidadania e o país perdeu com retrocesso­s sociais, econômicos e culturais, é muito mais do que por ora se percebe. Não falta muito mais a perder, caso esmaeça o movimento que se inicia contra o autoritari­smo neofascist­a. Hoje talvez seja um teste, não só para o que ainda existe de regime democrátic­o. Também para militares e milicianos.

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