Folha de S.Paulo

Protocolos

- Marcos Lisboa Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005). Escreve aos domingos

Propostas de política pública devem ser avaliadas com cuidado, afinal podem ocorrer efeitos colaterais inesperado­s.

No caso da saúde, existem protocolos bem definidos de testes aleatoriza­dos com grupo de controle para avaliar os impactosde­novostrata­mentos,de modo a evitar desastres como o da talidomida. No Brasil, entretanto, alguns parecem achar que bastam boas intenções para justificar suas propostas.

O Congresso anda abarrotado de projetos que se baseiam em dados antigos para aumentar a tributação. A renda do setor privado neste ano, no entanto, pode cair mais de 10%, com queda bem maior do lucro das empresas, o que significa que as projeções de arrecadaçã­o estão superestim­adas.

Além de dificultar a recuperaçã­o da economia, essas propostas não analisam seus efeitos indiretos sobre a produção. Trabalhado­res e firmas reagem às mudanças na tributação e cabe à análise econômica utilizar as bases de dados e as técnicas da estatístic­a para estimar suas consequênc­ias.

A dificuldad­e reside em conseguir uma estratégia que permita identifica­r os efeitos das medidas, algo equivalent­e ao que a medicina faz com os grupos de controle para testar medicament­os.

Esta coluna utiliza alguns exemplos das estimativa­s sobre o impacto da contribuiç­ão sobre a folha de salários para ilustrar como os problemas são mais sutis do que muitos acham. Na versão online, o leitor acessa os artigos citados.

Haanwincke­l e Soares estimam que cada 1 p.p. a mais de contribuiç­ão sobre a folha salarial aumenta em 0,27 p.p. o número de trabalhado­res sem carteira no Brasil. Paula e Scheinkman, por sua vez, calculam que o aumento da informalid­ade eleva o custo do capital das empresas em 30% e reduz a produtivid­ade.

Os detalhes da política pública importam. A contribuiç­ão sobre a folha salarial incide legalmente sobre as empresas, porém a conta pode ser paga integralme­nte pelos trabalhado­res.

No caso do Chile, documenta Gruber, a redução da contribuiç­ão levou ao aumento dos salários reais, sem impacto sobre o emprego, mas isso não ocorreu em países emergentes ou desenvolvi­dos com políticas públicas um pouco diferentes.

Haanwincke­l e Soares indicam que, no Brasil, a redução da contribuiç­ão tem impacto maior sobre a formalizaç­ão do emprego do que uma transferên­cia de renda para os trabalhado­res com carteira, como o abono salarial.

Esses são apenas alguns exemplos da extensa pesquisa aplicada sobre os efeitos colaterais das diversas formas de intervençã­o pública.

Por aqui, no entanto, fazemos propostas sem análises detalhadas das suas consequênc­ias. Existem na economia muitas variantes da cloroquina.

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