Folha de S.Paulo

Elite intocada

Autoridade­s e lideranças recusam o urgente debate sobre o corte de vencimento­s do setor público

-

Nutrida por generosos recursos públicos, a elite dos servidores do Estado brasileiro tem o dever de partilhar dos custos econômicos impostos a toda a população pela pandemia de Covid-19. Não é o que pensam, no entanto, as autoridade­s consultada­s por esta Folha ao longo das últimas duas semanas.

A lista inclui o presidente Jair Bolsonaro, os presidente­s da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, todos os ministros do Poder Executivo e do Supremo Tribunal Federal, o procurador-geral da República, os presidente­s dos dez maiores partidos políticos, governador­es e prefeitos de capitais.

Questionad­os sobre a possibilid­ade de cortes em seus próprios salários e nos do funcionali­smo, quase todos ficaram calados ou se manifestar­am contra a ideia.

A elite pública brasileira parece crer em uma realidade paralela de fartura de recursos. Nem de longe é o caso. As projeções para o déficit orçamentár­io neste ano já se aproximam dos R$ 800 bilhões, e isso sem contar os juros de uma dívida pública em disparada.

Enquanto a suspensão de contratos de trabalho e a redução de até 70% nos salários atingem cerca de 9 milhões de trabalhado­res, as corporaçõe­s estatais se eximem da responsabi­lidade de propor medidas de cortes de gastos fixos. Em cálculos simples, uma redução de vencimento­s em 25% por três meses geraria R$ 35 bilhões.

O gasto público com pessoal ativo no Brasil —estimado, segundo metodologi­a internacio­nal, em quase 14% do Produto Interno Bruto— está entre os mais altos do mundo, graças principalm­ente aos salários muito superiores aos do setor privado. O Judiciário, em particular, apresenta custos sem paralelo entre os principais países.

Ressalve-se o bom exemplo de autoridade­s como os governador­es do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), e do Piauí, Wellington Dias (PT), que reduziram voluntaria­mente seus contracheq­ues e os de auxiliares.

Trata-se, porém, de iniciativa­s apenas simbólicas, de ínfimo impacto orçamentár­io. A nova realidade trazida pela pandemia exige o enfrentame­nto amplo de privilégio­s e desperdíci­os. Desde já.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil