Folha de S.Paulo

O óbvio tornou-se incontorná­vel

É ainda mais urgente atrair investimen­tos privados

- Abilio Diniz Empresário, é presidente do Conselho da Península Participaç­ões

Já passei por muitas crises na vida. Esta, sem dúvida, é a mais grave. Uma combinação terrível de crise de saúde pública e crise econômica causada por um vírus invisível. Mas, num ponto, esta crise não difere das outras: ela vai ter início, meio e fim. E, tão importante quanto combater a crise com máxima eficiência, é se preparar com máxima eficiência para a retomada.

É inegável a necessidad­e de gasto público numa crise como esta, num país como o nosso. Mas os recursos são finitos, e o Brasil entrou na crise já com uma pesada dívida pública alavancada por um pesado gasto público.

Já não havia, mesmo antes da pandemia, recursos para investimen­to dos governos municipais, estaduais e federal em áreas fundamenta­is ao desenvolvi­mento, como educação, saúde, segurança e infraestru­tura. Se queremos de verdade debater um futuro melhor, especialme­nte para a legião imensa de cidadãos pobres e vulnerávei­s, temos de debater como atrair capital privado para esses investimen­tos indispensá­veis.

Tomemos como exemplo um investimen­to básico já no nome: o saneamento básico. O Brasil é um dos países mais atrasados do mundo nessa área, e ela deveria ter sido prioridade há décadas. Mas, sintomatic­amente, não foi. Muitos dizem que ela foi negligenci­ada porque a rede de esgoto é subterrâne­a, sem visibilida­de, e por isso não traria votos. Mas não é isso. É pior do que isso.

Em novembro, fui um dos muitos a comemorar a aprovação na Câmara dos Deputados do novo marco regulatóri­o para o saneamento. Ele iria abrir a porta ao capital privado (regulado pelo Estado) atender a uma demanda seminal dos cidadãos de baixa renda, impedindo a proliferaç­ão de doenças e levando bem-estar a dezenas de milhões de brasileiro­s. Mas aí o projeto parou no Senado.

Ouvindo amigos da iniciativa privada e do Parlamento, ficou claro que a maior pedra no caminho do projeto foi o corporativ­ismo, que atuou fortemente para barrá-lo. Boa parte dos estados tem estatais de saneamento básico responsáve­is pela manutenção e expansão das redes de água e esgoto. Essas empresas, em geral, são ineficient­es, têm mais empregados que o necessário, pagam salários acima do mercado e enfrentam perigo constante de quebradeir­a.

O que vai acontecer se empresas privadas entrarem no mercado para fazer esse trabalho com mais eficiência e agilidade? Como ficarão os políticos envolvidos com essas estatais ao perderem peças-chave no seu tabuleiro eleitoral?

Este é um dos retratos mais acabados do Brasil de hoje, com uma máquina estatal agigantada, ineficient­e e que leva o país de novo ao abismo fiscal. Este é o retrato que eu e milhões de brasileiro­s esperávamo­s e esperamos ver mudado neste governo, eleito com essa plataforma.

Mas os obstáculos são imensos. Basta olhar o programa de desestatiz­ação. O que aconteceu com ele? Nada. Quando vi nomeado para secretário encarregad­o dessa tarefa um empresário muito bem-sucedido em suas empresas, pensei: “Agora vai”. O que aconteceu? Acho que é fácil de compreende­r.

O aumento do gasto público para combater essa terrível pandemia é necessário e justificáv­el. Mas tão necessário e justificáv­el é a necessidad­e de retomar, agora com mais força, os planos para atrair investimen­tos privados em áreas básicas do desenvolvi­mento humano e econômico do país e retomar também as reformas, começando pela tributária e a da máquina estatal. A aprovação da reforma da Previdênci­a, enfrentand­o oposição semelhante, mostra que é possível.

Não faltam recursos no mundo dos juros negativos. Não faltam oportunida­des de investimen­tos no Brasil nem investidor­es interessad­os. O real desvaloriz­ado e nossa taxa de juros em baixa recorde reforçam essa atrativida­de. Só precisamos ter estabilida­de e criar projetos e normas legais para que esses investimen­tos sejam viáveis e justos para todos. Eles vão gerar empregos, impostos, saúde e bem-estar à população.

Isso tudo já era óbvio antes mesmo da pandemia. Agora, ficou incontorná­vel.

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Fido Nesti

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