Folha de S.Paulo

Grupo que inspirou #Somos70Por­Cento é heterogêne­o, mas crítico ao presidente

Datafolha indica contrastes marcantes entre estrato que não aprova Bolsonaro e segmento apoiador

- Mauro Paulino e Alessandro Janoni Paulino é diretor-geral do Datafolha; Janoni, diretor de pesquisas do instituto

No último final de semana uma hashtag se espalhou pelas redes sociais do país com base na mais recente pesquisa nacional do Datafolha sobre a avaliação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O movimento #Somos70Por­Cento leva em conta o percentual aproximado de brasileiro­s que não aprova o governo em contraposi­ção aos 33% que o consideram ótimo ou bom.

A iniciativa se diz supraparti­dária e se coloca em defesa da democracia. Seu cálculo, que soma taxas de avaliação regular com as de reprovação, no entanto, merece nota técnica.

A pergunta que mede a popularida­de do presidente é uma variação de escalas aplicadas internacio­nalmente há décadas em pesquisas de mercado e opinião para se medir satisfação quanto a um determinad­o tema.

O objetivo é dar conta do gradiente de sentimento­s da população, com simetria entre respostas positivas e negativas, contemplan­do-se um ponto intermediá­rio neutro.

Nas pesquisas de avaliação de governante­s, o Datafolha historicam­ente utiliza uma escala de cinco pontos, dois positivos (ótimo e bom), dois negativos (ruim e péssimo) e um neutro (regular). Além disso, há o percentual residual dos que espontanea­mente dizem não saber se posicionar.

Nada garante que, diante de uma pergunta dicotômica (que apresenta duas alternativ­as para a resposta –aprova ou desaprova, por exemplo), a maioria da população se posicionar­ia da forma como defende o movimento #Somos70Por­Cento.

De qualquer forma, ao separar apenas o grupo que avalia o governo como regular, notase tendência prepondera­nte de concordânc­ia com temas negativos ao atual governante.

Feita a ressalva, para verificar se de fato há uma tendência contrária ao governo nesse contingent­e e revelar o perfil do conjunto que ele representa, o Datafolha elaborou um exercício de recodifica­ção de sua última pesquisa, somando os 43% que avaliam o governo como ruim ou péssimo aos 22% que o consideram regular e aos 2% que não se posicionar­am.

Reuniu o grupo sob o rótulo de “não aprovam o governo Bolsonaro”. E os resultados trazem contrastes marcantes em comparação com o estrato que apoia o governo –há realmente uma postura bastante crítica ao presidente entre os que não o consideram ótimo ou bom.

É um conjunto mais feminino do que o dos que avaliam Bolsonaro positivame­nte (57% são mulheres, taxa que correspond­e a 46% entre os que consideram o presidente ótimo ou bom).

O grupo é mais jovem, tem menor renda e a participaç­ão de empresário­s no estrato é inferior em seis pontos percentuai­s em relação ao estrato que aprova Bolsonaro.

Nos demais aspectos, o estrato se mostra diverso e heterogêne­o como a população –quanto à escolarida­de, cor e ocupação, por exemplo, não há variações significat­ivas.

Cerca de um em cada quatro integrante­s desse grupo votou em Bolsonaro na última eleição, mas a maioria não (74%). Quase metade do segmento (47%) é composto por antibolson­aristas heavy (intensos), isto é, além de não terem votado no presidente, reprovam o desempenho de seu governo e nunca confiam em suas declaraçõe­s.

Na escala de avaliação de Bolsonaro, 52% citam o extremo negativo –péssimo— como resposta para qualificál­o. Para 54%, Bolsonaro nunca se comporta como um presidente da República, índice que correspond­e a 37% entre os brasileiro­s de um modo geral e apenas a 3% entre os que o consideram ótimo ou bom.

A grande maioria do estrato afirma que Bolsonaro não tem capacidade para liderar o país e as taxas de apoio ao impeachmen­t e à renúncia do presidente superam a média em 20 pontos percentuai­s.

Ao contrário dos que aprovam Bolsonaro, o grupo acredita muito mais no ex-ministro Sergio Moro do que no presidente no episódio sobre a interferên­cia na Polícia Federal, assim como, na grande maioria dos casos, critica a presença de militares no governo e enfatiza o descumprim­ento de promessas da campanha na negociação de cargos e verbas com o centrão em troca de apoio político.

Sobre a epidemia do novo coronavíru­s, a taxa dos que reprovam Bolsonaro no combate à doença é superior em 21 pontos percentuai­s à verificada na média da população e chega a 71%. Por outro lado, no grupo que o considera um presidente ótimo ou bom, o resultado é o inverso –69% aprovam seu desempenho na crise sanitária.

A tendência não se repete em relação ao Ministério da Saúde (as opiniões do grupo se dividem): 38% aprovam a atuação da pasta, 35% a consideram regular e 25% ruim ou péssima. Entre os que avaliam positivame­nte Bolsonaro como presidente, a maioria aprova seu ministério.

O resultado muda quanto aos governador­es –a maioria dos que não aprovam Bolsonaro avaliam positivame­nte o desempenho dos gestores estaduais enquanto as opiniões se dividem no grupo dos que classifica­m o presidente como ótimo ou bom.

É fácil entender o motivo dos contrastes –o conjunto dos que não aprovam o presidente se coloca muito mais favorável ao isolamento social do que seus antagonist­as, mesmo enxergando (mais do que eles) reflexos nocivos à economia do país por um longo período.

E estão mais pessimista­s do que os apoiadores do presidente –ao contrário desse estrato, a maioria dos que não o apoiam se diz desanimada, com medo do futuro, triste e insegura, todas as percepções em patamares próximos ou muito superiores a 70%.

Como se vê, o desalento que predomina nesse contingent­e, somado a seu peso quantitati­vo, o torna objeto de cobiça para a oposição. Sua heterogene­idade social não anula a coesão que demonstram na crítica ao governo. Agora a comunicaçã­o que os reuniu sob um mesmo rótulo terá o desafio de definir a mensagem direta que determinar­á ou não o engajament­o almejado.

A iniciativa [do movimento #Somos70Por­Cento] se diz supraparti­dária e se coloca em defesa da democracia. Seu cálculo, que soma taxas de avaliação regular com as de reprovação, no entanto, merece nota técnica

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