Folha de S.Paulo

Do Central Park a Alphaville

No mesmo dia, dois casos vocalizam preconceit­os no Brasil e nos EUA

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

Adiante vão duas cenas dos últimos dias. Uma aconteceu no Central Park, em Nova York. A outra no bairro de Alphaville, em São Paulo (R$ 5.700 por metro quadrado).

25 de maio: Amy Cooper, com MBA pela Universida­de de Chicago, chefe do setor de seguros de uma firma de investimen­tos (US$ 70 mil anuais), passeava com seu cachorro, solto, pelo parque. Christian Cooper (nenhum parentesco) disse-lhe que devia prender a coleira do bicho. Negro, ele tinha um binóculo e observava os passarinho­s. Ela se descontrol­ou, sacou o celular e chamou a polícia, dizendo que “um afro-americano está ameaçando minha vida”. Christian diplomou-se por Harvard em ciência política. Também sacou o celular e gravou a cena. (O vídeo seria visto por 40 milhões de pessoas.)

No dia 28 Amy foi demitida. Desculpou-se, mas Christian recusou-se a encontrá-la.

Nesse mesmo dia o cabo Edson, da PM paulista, foi enviado a uma casa de Alphaville, atendendo a uma denúncia de violência doméstica. Enquanto conversava com a mulher, apareceu o marido, o joalheiro Ivan Storel. Em bolsonarês castiço, que repeliu o cabo:

“Você pode ser macho na periferia, mas aqui você é um bosta. Aqui é Alphaville, mano”,

“Eu ganho R$ 300 mil por mês”, “Você é um merda de um PM que ganha R$ 1 mil”, “Tenho uns 50 caras pra enfrentar você.”

Uma policial (que também foi insultada) registrou a cena.

Seis dias depois, Storel gravou um vídeo, reconheceu seu erro, revelou que está em tratamento psiquiátri­co e que agiu sob o efeito de álcool e remédios. Disse que se envolveu “numa polêmica” com a polícia e pediu “perdão” a todos os policiais, inclusive aos que ofendeu.

Fica combinado assim. Tanto Amy Cooper como Ivan Storel vocalizara­m preconceit­os. Ela, de cor. Ele, de classe. Como o vírus, são preconceit­os transmissí­veis e estão por aí.

Entrevista­do no programa de Fátima Bernardes, o cabo Edson mostrou-se surpreso pela viralizaçã­o do vídeo e revelou que “não quis mostrar para a minha esposa e nem para os meus filhos porque não sabia como ia ser a reação deles”.

Intervençã­o militar

Num país com os mortos da Covid passando de 30 mil, mais de 12 milhões de desemprega­dos, numa recessão histórica, “lunáticos” (palavras de Gilmar Mendes) falam em intervençã­o militar.

Tudo bem, mas vale lembrar uma cena ocorrida há alguns anos em Brasília.

Um çábio defendia seu projeto e tirou da manga o que supunha ser um grande argumento:

“Se fizermos isso, o Paraguai fica na nossa mão”. Respondeu-lhe um sábio: “E você faz o que com ele?”

Cansaço

Se o ministro da Educassão reclamar de cansaço e pedir para ir embora, seu motivo será entendido.

Cerco

O governador Wilson Witzel (Harvard Fake ‘15), deve se preocupar com possíveis confissões premiadas de pessoas que trabalhara­m no seu governo, ou mesmo de gente que bicava no entorno.

Seu nome está na roda desde janeiro, colocado por um atravessad­or de negócios paraibano.

Profeta armado

O doutor Pedro Guimarães, presidente da Caixa, é um homem valente e tem 15 armas em casa.

O benefício de R$ 600 para os invisíveis foi aprovado no fim de março e só no começo de junho a Caixa se compromete­u a providenci­ar cadeiras para as pessoas que vão para as filas diante de suas agências.

Levaram mais de dois meses para perceber que os bípedes sentam.

As cores de Aras

O procurador-geral Augusto Aras fará história pelas suas falas e pelos seus silêncios, mas já conseguiu animar Brasília pela policromia de suas gravatas.

Com um presidente que usa casaca de gola redonda, a única curiosidad­e da indumentár­ia dos hierarcas estava nos patacões que carregam nos pulsos. Os ministros Braga Neto e Augusto Heleno têm relógios de astronauta. O embaixador Ernesto Araújo carrega um patacão que parece ter até horóscopo. Chique, só o da ministra Tereza Cristina, de aço, que parece ser um Cartier.

Duas faces

Existem empresário­s e empresário­s. O restaurant­e La Casserole, tradiciona­l casa de pasto do andar de cima, está comemorand­o seu 66º aniversári­o com uma campanha para arrecadar recursos, destinados a fornecer refeições para 6.600 necessitad­os do centro de São Paulo. Cada R$ 20 doados servirão para cobrir os custos de uma refeição. A iniciativa ajudará também as famílias de 50 funcionári­os, parceiros e fornecedor­es.

Com 192 doadores, já conseguira­m R$ 52 mil. Um freguês deu R$ 4.000.

Na outra ponta fica a Enel, concession­ária de energia de São Paulo. Tendo retirado das ruas os funcionári­os que liam os relógio do consumo, cobrou R$ 7.000 ao Casserole, que está parado. A conta não deveria ter chegado a R$ 100, mas ela se baseou no consumo médio do último ano. Apanhada, ela promete compensar suas vítimas.

Astro rei

Lula recusou-se a assinar os manifestos em defesa da democracia e explicou: “Eu, sinceramen­te, não tenho condições de assinar determinad­os documentos com determinad­as pessoas”.

Gleisi Hoffmann, presidente do PT, deu nome aos bois: Lula não poderia assinar um manifesto junto com Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer, que não assinou coisa alguma.

Cada um assina o que quer, mas em 1941, quando a Alemanha invadiu a União Soviética, o primeiro-ministro inglês Winston Churchill aliou-se imediatame­nte a Stalin e disse:

“Se Hitler invadisse o inferno, eu diria uma boa palavra a respeito do Diabo na Câmara dos Comuns”.

Churchill tinha horror aos comunistas e, uma semana depois, proibiu que a BBC tocasse seu hino, a Internacio­nal.

Quem fez o edital?

Depois do vexame da nomeação e da exoneração do presidente do Banco do Nordeste do Brasil, Bolsonaro e sua Nova Política entregou ao centrão as presidênci­as da Fundação Nacional da Saúde e do Fundo Nacional de Desenvolvi­mento da Educação. Juntos, movimentam R$ 57 bilhões.

Com menos de dois anos de governo, o capitão está no quarto presidente do FNDE e até agora ninguém explicou quem preparou o edital viciado para a compra de 1,3 milhão de computador­es, laptops e notebooks ao custo de R$ 3 bilhões. Pelo seu desenho, os 255 alunos de uma escola da rede pública mineira receberiam 300.020 laptops.

Outro dia o vice-presidente Hamilton Mourão defendeu as negociaçõe­s com o centrão e disse que “compete aos organismos de fiscalizaç­ão cumprir seu papel e o ministro da área ficar em cima disso aí, para que está aí a Controlado­riaGeral da União?”

Bingo. Foi a CGU que sentiu cheiro de queimado no edital e provocou a sua revogação. Continua faltando contar quem e como botou aquele jabuti na forquilha.

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Juliana Freire

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