Folha de S.Paulo

Países avançam com planos para realizar eleições em meio à pandemia

Rússia e Polônia terão votações a partir do fim de junho; Chile adiou plebiscito para outubro

- Rafael Balago

A pandemia de coronavíru­s segue matando milhares de pessoas por dia, mas ao menos nove países —EUA, Rússia, Espanha, Polônia, Bolívia, Chile, Islândia, Maláui e Belarus— avançam em planos para realizar eleições.

A maioria deles havia adiado as votações, marcadas para o período entre março e maio, devido ao auge da pandemia, e agora irão às urnas já a partir do fim de junho.

Realizar as votações agora pode favorecer governos que buscam a reeleição, desde que eles não tenham cometido erros marcantes. Líderes no poder tiveram grande espaço na mídia nos últimos meses —e alguns deles anunciaram auxílios emergencia­is, que trazem ganhos de imagem.

“Em momentos de incerteza, as pessoas tendem a favorecer as opções que já conhecem”, avalia Leandro Cosentino, cientista político e professor da Fespsp (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo).

Outros fatores ajudam os governante­s no cargo: os efeitos da crise econômica gerada pela paralisaçã­o das atividades ainda não são plenamente sentidos, e o isolamento social dificulta —embora não impeça— a realização de protestos, que tendem a minar a imagem das autoridade­s e fortalecer a oposição.

“Criticar o governo em meio a uma crise de saúde também pode parecer oportunism­o, então muitos nomes da oposição preferem ficar quietos”, diz Cosentino.

Na Polônia, o partido nacionalis­ta PiS (Lei e Justiça) pressionou para que a eleição presidenci­al fosse marcada para 27 de junho, de modo a evitar que o presidente Andrzej Duda sofra com o desgaste gerado pela pandemia. Pesquisas recentes mostram que a vantagem de Duda na liderança diminuiu nos últimos meses e que ele perderia no segundo turno.

O PiS tem implantado medidas autoritári­as, como limitar a independên­cia do Judiciário e cercear opositores. Essas ações foram questionad­as pela União Europeia, que abriu uma investigaç­ão.

Na Espanha, haverá duas eleições regionais em 12 de julho, na Galícia e no País Basco, com ampliação da votação pelo correio para todos. Antes, apenas eleitores com problemas de saúde podiam usar essa opção.

Para votar a distância, é preciso fazer um pedido antecipado, pela internet, e ter um certificad­o digital. Os carteiros levarão as cédulas até as casas e vão conferir a identidade dos eleitores ao receber os envelopes com os votos. Não será preciso assinar nada, para diminuir o risco de contágio.

Os profission­ais dos correios temem que isso gere uma sobrecarga de trabalho e pediram que o governo contrate temporário­s para ajudá-los.

Nas duas regiões espanholas, os atuais governos devem ser reeleitos, segundo pesquisas feitas em maio. O PP (direita) governa a Galícia desde 2010, e o PNV (centro-direita) comanda o País Basco desde 2012.

Outro mandatário de longa data que busca seguir no poder é Alexander Lukashenko, 65, presidente de Belarus desde 1994. O país votará em 9 de agosto.

Lukashenko defendeu soluções bizarras e ineficazes para lidar com o coronavíru­s, como ir à sauna e tomar vodca. Sem medidas de distanciam­ento, Belarus soma mais de 45 mil casos de Covid-19.

A má gestão da crise sanitária deu forças para a oposição, que busca juntar assinatura­s para viabilizar candidatos. Para disputar a Presidênci­a, é preciso reunir 100 mil apoios.

Na capital, Minsk, houve filas de mais de 1 km na semana passada de pessoas dispostas a assinar listas de endosso.

Apelidado de “barata” por seus críticos, Lukashenko é conhecido por perseguir adversário­s. Ao menos dois possíveis candidatos foram presos nos últimos dias. Na segunda (1º), o presidente comparou os apoiadores da oposição a gangues de criminosos.

Na campanha, o mandatário diz ser um símbolo da estabilida­de que o país precisa. “Só que essa estabilida­de é como a de um cemitério”, rebate Viktor Babariko, um dos précandida­tos de oposição.

Analistas apontam que a UE e os EUA resistem a conter o autoritari­smo de Lukashenko por receio de que retaliaçõe­s possam aproximá-lo ainda mais da vizinha Rússia, que também votará em breve.

Em 1º de julho, um referendo sobre mudanças na Constituiç­ão dará ou não o aval para que Vladimir Putin, 67, possa disputar mais dois mandatos e seguir no poder até 2036.

Mesmo em meio à crise, reforçada na Rússia pela queda do preço do petróleo, Putin tinha 47% de aprovação em maio.

O Kremlin disse esperar que o número de casos de coronavíru­s baixe até o dia da votação. A Rússia demorou a adotar medidas de distanciam­ento social e se tornou o terceiro país com mais casos de Covid-19 no mundo.

Na Bolívia, quem pressionou pela realização rápida da eleição presidenci­al foi a oposição. O país é governado de modo interino por Jeanine Añez, senadora que tomou posse em novembro, após a renúncia do ex-presidente Evo Morales.

Depois de um acordo entre governo e oposição —que tem maioria no Congresso—, a votação presidenci­al foi marcada para 6 de setembro.

“Mesmo durante a pandemia, vale fazer eleições, porque Añez está usando o coronavíru­s para centraliza­r poder e fazer campanha, enquanto os demais candidatos estão em quarentena”, disse Luis Arce, candidato de Evo, em entrevista recente à Folha.

No Chile, o plebiscito sobre a criação de uma nova Constituiç­ão foi adiado para outubro. Sua realização foi uma resposta aos protestos que tomaram o país no fim de 2019 e pediam mais igualdade social.

O país decidiu sair da quarentena ainda em maio, antes de ter a pandemia controlada, e precisou recuar após uma forte alta nos casos.

Já a nação mais atingida pela pandemia no mundo, os EUA, mantém as eleições presidenci­ais para novembro. A quarentena ajudou a acelerar a definição das primárias, que apontaram Joe Biden como provável candidato democrata. Ele espera a confirmaçã­o em uma convenção nacional.

A votação pelo correio foi usada por cerca de 25% dos eleitores nos pleitos de 2016 e 2018, segundo a CNN. Nos EUA, cada estado define suas regras. Michigan, Nevada e Califórnia facilitara­m o voto postal neste ano, enquanto a Justiça do Texas barrou a ampliação da prática.

O presidente Donald Trump, que disputa a reeleição, fez várias acusações de que o voto postal tem maior risco de fraudes, sem apresentar provas.

A realização de campanhas sem eventos presenciai­s deverá reforçar a importânci­a das ações virtuais, como a divulgação em redes sociais.

O risco, no entanto, é o uso dessas redes para espalhar fake news sobre rivais, prática que as empresas de tecnologia e a Justiça ainda enfrentam dificuldad­es para combater.

O WhatsApp tem limitado o processo de reencaminh­amento de mensagens, e o Twitter passou a colocar avisos em postagens de políticos, incluindo Trump, que contêm mentiras.

No entanto, o Facebook, dono também do WhatsApp e do Instagram, assumiu uma postura tolerante em relação a postagens que estimulam a violência contra atos antirracis­mo, no que foi visto como uma concessão a Trump.

No Brasil, haverá eleições municipais em outubro. Seu possível adiamento está em debate, mas nada foi confirmado até este sábado (6).

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Joshua Roberts - 2.jun.2020/Reuters Mesário, usando proteção facial para dificultar a transmissã­o do vírus, entrega cédula a eleitor nas primárias da Filadélfia (EUA)

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