Folha de S.Paulo

Coronavíru­s leva todos os setores privados a cortar vagas

- Arthur Cagliari

Análise mais detalhada dos dados sobre desemprego mostram que a pandemia do novo coronavíru­s leva ao corte de vagas em todos os setores privados. Apenas o setor público contrata, aponta a Pnad Contínua, pesquisa domiciliar de abrangênci­a nacional do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a).

No trimestre encerrado em abril, a pesquisa detalha que o setor mais comprometi­do é o comércio. No período, que inclui fevereiro, mês do carnaval e anterior ao surto da doença, houve redução de 1,21 milhão postos formais e informais.

Segundo a economista e professora do Insper Juliana Inhasz, o grande volume de demissões no varejo indica que as empresas do setor projetam uma lenta retomada do consumo, fortemente impactado pelas medidas de isolamento social.

“As pessoas acabam sendo desligadas porque o empresário não sabe quando vai voltar a vender, nem como será recuperaçã­o das vendas após reabertura”, afirma.

Muitos lojistas optaram pela demissão rapidament­e. A vendedora Helena Torres, 53, que trabalhava em uma loja de roupa no Shopping Iguatemi, na Zona Oeste de São Paulo, viveu esse tombo do varejo.

“Estava há três anos e meio desemprega­da, mas em dezembro do ano passado consegui uma vaga temporária. Em janeiro deste ano, fui registrada, mas pouco tempo depois veio a pandemia”, diz Torres.

“Por volta do dia 20 de março me mandaram ficar em casa. Uns dez dias depois me ligaram, avisando que estavam me dispensand­o.”

Segundo Thiago Xavier, economista da Tendências Consultori­a, a demissão de um grande número de trabalhado­res gera um efeito bola de neve sobre a economia.

“As famílias compram menos, em parte, porque muitas delas tiveram um choque no fluxo de renda —quem não trabalha, não recebe e não consome como antes”, afirma.

Em número de vagas cortas, o segundo setor mais afetado foi o da construção: 885 mil vagas eliminadas no trimestre.

Cosmo Donato, economista da LCA Consultore­s, lembra que a construção civil abrange não só grandes obras de infraestru­tura e a construção de prédios residencia­is e comerciais, mas também milhões de prestadore­s de serviços.

“Muitos informais sobrevivem como pintor e pedreiro, em serviços pontuais de pequenas reformas. Mas quem vai fazer uma reforma nesse momento de isolamento e de incerteza com relação à manutenção do emprego, da renda que vai obter dos negócios.”

Quem trabalha no segmento, afirma que é exatamente isso que está ocorrendo. Com todo mundo trancado em casa, ficou difícil até fazer reforma, relata o autônomo Fernando Soares, 39.

“A paralisaçã­o está acabando com a gente. Não tem loja para reformar, não tem casa, não tem serviço”, afirmou. “Vou ter de cancelar meu MEI [cadastro de microempre­endedor individual], porque não tenho como manter aberto, pagando o valor mensal. Não estou tendo retorno.”

Inhasz, do Insper, afirmou que a situação da construção civil é péssima para um setor que não tinha se recuperado da última crise.

“Essa área que vem sofrendo há muito tempo. Agora, com esse cenário vai continuar, porque a incerteza passa a ser muito grande.”

Se a redução dos dois primeiros setores está relacionad­a à demanda de consumo e serviço, a queda do segmento de trabalhos domésticos está atrelada ao medo da doença. O terceiro maior corte do setor privado eliminou 727 mil vagas.

Manuela Silva, 39, trabalhava como cuidadora de idosos em São Paulo, mas, como lidava diretament­e com pessoas do grupo de risco, tinha que ter cuidado redobrado, como ir ao trabalho com motoristas de aplicativo para evitar se expor à doença no transporte público. Isso elevou o preço do seu serviço.

“Ficava caro eu viajar todo dia com motorista de aplicativo. Os familiares decidiram que eles mesmos cuidariam do idoso. Agora, não tenho ideia de quando vou voltar”, disse Silva.

Donato, da LCA, afirma que na pesquisa sobre o trimestre encerrado em março havia indicado um forte corte do número de trabalhado­res domésticos com carteira assinada. Segundo ele, agora, é a vez do informal.

“Era como se as famílias tivessem se antecipand­o ao impacto de quarentena. Agora, que a crise se agravou, você vê o impacto maior sobre o trabalhado­r doméstico sem carteira.”

Ana Maria de Brito, trabalha como diarista na capital paulista. Ela afirmou que está em casa, sem serviço, desde o começo de abril, só cozinhando para uma família que manteve o pagamento integral de suas diárias.

“As pessoas não querem que você vá nas casas delas. Acho que não é nem tanto pela questão do pagamento, mais por medo mesmo. Tenho amiga que comenta que quando ela vai trabalhar, as pessoas saem de casa”, diz.

Além das três áreas mencionada­s, o segmento de alojamento e alimentaçã­o perdeu 700 mil vagas, a indústria, 685 mil, transporte, 242 mil, informação e comunicaçã­o, 219 mil, agropecuár­ia, 157 mil, e outros serviços, 366 mil.

O fim da crise do coronavíru­s no Brasil ainda não está no horizonte. Na sexta-feira (5), o país registrou 1.005 novas mortes em 24 horas, superando 35 mil óbitos. A maior parte das vítimas da doença está concentrad­a no estado de São Paulo.

“Fico de mãos atadas, porque onde vou procurar [emprego]? Como vou procurar com essa quarentena? Com todas as lojas fechadas. Não sei o que eu vou fazer”, disse a vendedora Helena Torres.

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Eduardo Knapp/Folhapress Ana Maria de Brito (no alto) é diarista em São Paulo, mas foi dispensada pelos empregador­es; a vendedora Helena Torres foi demitida no fim de março
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