Folha de S.Paulo

Safra boa e dólar podem atrair brasileiro para vinho nacional, diz Miolo

- Mauro Zafalon

O que virá para o setor de vinho após a Covid-19? Muitas incertezas, afirma Adriano Miolo, superinten­dente do grupo Miolo.

Os dados mundiais mostram que as vendas caíram nesse período de isolamento social, ainda que o consumo tenha aumentado. Isso porque os consumidor­es, principalm­ente os europeus, queimaram seus estoques de casa.

A reposição caseira de vinho pode não ser imediata, uma vez que a pandemia vai afetar a renda das famílias.

“Será um período de muitas incertezas e vamos recomeçar do zero”, afirma o executivo.

Miolo diz que ainda há uma luz para as vinícolas brasileira­s. O setor vem fazendo investimen­tos em novas tecnologia­s e na qualidade das videiras e do vinho há uma década. Pode colher os frutos agora.

“Como está não dá para sobreviver mais. Afinal, de cada dez garrafas de vinho fino comerciali­zadas no país, apenas uma é nacional”, diz.

No setor de espumante, a situação é inversa. De cada dez garrafas consumidas no mercado interno, apenas duas são importadas, diz Miolo.

Mas o que ele classifico­u como excelentes safras de 2018 e de 2020, esta última considerad­a pelo executivo como a melhor da história do país, pode atrair público.

Miolo diz que a mudança da legislação, permitindo a produção de vinho com graduação alcoólica de até 16º em 2019, também terá sua parcela de contribuiç­ão porque amplia a qualidade.

Com esse patamar alcoólico são produzidos vinhos nobres e que garantem um período maior de guarda. “Precisamos aproveitar as safras excepciona­is, como as de 2018 e de 2020, para esses tipos de vinho. Na última década, tivemos apenas quatro safras muito boas no Rio Grande do Sul.”

O ponto desfavoráv­el desse momento é que não se sabe como vai ser o pós-Covid. Os efeitos da recessão mundial e nacional, além da inadimplên­cia, são decisivos nesse segmento. “É um cenário de difícil previsão”.

Mas Miolo diz que é preciso considerar página virada os problemas vividos pela vitivinicu­ltura até o momento. “A partir de agora, é preciso buscar competitiv­idade”.

O dólar pode ajudar: os estoques dos importador­es, comprados a um dólar de menor valor, estão acabando e, mesmo após a queda da semana passada, a moeda ainda é negociada ao redor de R$ 5. Os novos produtos devem chegar com preços maiores. “É competitiv­idade na veia”, afirma.

Mas não há oferta de vinho nacional para atender toda a demanda pelo produto de alta qualidade. Nas contas de Miolo, o Brasil consome 310 milhões de litros por ano. Deste volume, 130 milhões de garrafas são de vinho fino. E a produção local é de apenas 50 milhões de litros.

O executivo acredita na indústria nacional porque, segundo ele, qualidade todo país tem —assim como vinhos médios e medíocres.

Mas o preço interfere muito na comerciali­zação. Ele cita o caso do Chile, que domina o mercado brasileiro com preços baixos. “Eles aproveitar­am muito bem o conceito de imagem do país, vendendo os vinhos baratos que estão no mercado brasileiro.” A Argentina tem até mais produto com qualidade, mas não conseguiu difundir essa imagem por aqui, afirma.

Além da concorrênc­ia dos países do Mercosul, incluindo o Chile que tem taxa diferencia­da, o Brasil deverá sofrer também uma disputa de membros da União Europeia, se ocorrer o acordo dos blocos do Mercosul e da UE. Portugal já avisou que, quando confirmado o acordo, quer desbancar o Chile como maior fornecedor dessa bebida ao Brasil.

O cenário para a frente poderá ser melhor, na visão da indústria. Os produtores apostam muito na reforma tributária, que poderá dar ao vinho imposto semelhante a dos alimentos, bem abaixo da que recebe atualmente.

Com relação à concorrênc­ia europeia, o governo prometeu um fundo de amparo ao setor. O temor, no entanto, vem de uma eventual piora na taxação do vinho, como a ventilada criação do imposto do pecado.

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