Folha de S.Paulo

Para seguir o legado dos pais, trocou contas por frutas

- Patrícia Pasquini coluna.obituario@grupofolha.com.br

MARCELO RAMOS DA COSTA (1972-2020)

Uma das coisas mais difíceis da vida de Marcelo Ramos da Costa foi aceitar a partida precoce dos pais. Portuguese­s, ambos morreram num curto espaço de tempo, devido a insuficiên­cia renal crônica.

Filho único, Marcelo cresceu em Vila Cosmos, bairro da zona norte do Rio de Janeiro. Estudou ciências contábeis, mas optou por seguir a profissão dos pais, feirante. Vendia frutas e distribuía carinho e atenção aos clientes.

Geralmente, se mantinha introspect­ivo perto da família e dos amigos. Não era muito de festas e nem de sair à noite para aproveitar a cidade.

Marcelo gostava da família por perto, mas também do mar, de natação, de teatro e de shows, além de acompanhar o time do coração, o Vasco.

A esposa, a enfermeira Maria Claudia Fermino Guerreiro, 45, lhe foi apresentad­a por um primo. Três meses depois já estavam juntos e com o filho a caminho.

Os laços de amizade se solidifica­ram no amor, companheir­ismo e na confiança. “Ele dizia que me admirava por ser batalhador­a e que, com minha independên­cia, nunca iria precisar de ninguém”, conta Maria Claudia.

O fato de os pais terem partido cedo lhe chamava a atenção para a possibilid­ade de uma morte precoce. Tal impressão o perseguia nos últimos tempos. Marcelo repetia aos quatro ventos que seu prazo de validade estava no fim e só teria mais algum tempo.

Diabético e hipertenso, optou por se resguardar para não ser infectado pelo novo coronavíru­s. Deixou a feira e trancou-se em casa.

Cansado da nova rotina, porém, decidiu acompanhar um amigo ao Ceasa. Dois dias depois ficou febril. A febre não cedeu e foi ao médico, que receitou paracetamo­l e repouso. Como não melhorou, voltou a buscar ajuda.

A profission­al que o atendeu disse que não era nada e dois dias depois seu pulmão já estava 70% tomado pelo coronavíru­s.

“Naquele dia, eu o deixei no hospital e disse ‘até daqui a pouco’, o que não aconteceu. Por isso, temos que viver cada dia como se fosse o último”, afirma Maria Claudia.

Marcelo Ramos da Costa morreu no dia 13 de maio, aos 48 anos, de Covid-19. Deixa a esposa e o filho, Matteus Fermino da Costa, 20.

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