Folha de S.Paulo

A quinta revolução industrial

Estudos trazem o germe da solução da crise: vamos botar crianças para trabalhar

- Antonio Prata Escritor e roteirista, autor de “Nu, de Botas”

A notícia mais importante da semana passou quase despercebi­da. Segundo matéria no UOL, “estudo francês indica que as crianças não são um importante vetor de contágio do novo coronavíru­s”. Em Paris, dezenas de pediatras acompanhar­am centenas de pessoas entre 0 e 15 anos durante o pico da pandemia. A conclusão foi que as crianças ou não pegavam o vírus ou pegavam com sintomas leves e —aí é que está a maravilha—raramente infectavam adultos. O pediatra infectolog­ista Robert Cohen, do Hospital Intercomun­al de

Créteil, afirmou que os menores deveriam voltar às escolas e a ver os avós. “As crianças precisam voltar a ter uma vida de criança”, afirmou ao jornal Le Monde.

Comemoro os resultados, mas discordo veementeme­nte da interpreta­ção. Caro doutor Cohen, dizer que crianças precisam voltar a ter vida de criança é querer retornar ao mundo pré-Covid. Mundo este que todos os filósofos, cientistas sociais, gurus, youtubers e palpiteiro­s em geral dizem que jamais existirá novamente. Precisamos pensar grande. Revolucion­ar a existência. Forjar um “novo normal” no sonho e na esperança. Doutor Cohen não sabe, mas seus estudos trazem o germe para a solução da enorme crise econômica que atravessam­os: vamos botar as crianças para trabalhar no nosso lugar.

Matamos assim dois coelhos com uma cajadada só: voltamos a fazer a economia girar e saímos deste ciclo doentio de quarentena com filhos em casa, 24 horas por dia, negando e cedendo iPad e açúcar a cada quinze minutos. “Não, não pode comer Danette de café da manhã!”, “Pelo amor de Deus, me deixa ler o jornal! Vai, come Danette de café da manhã”. “Não! Não pode ver iPad duas da tarde!”. “Tô numa reunião! Tó aqui o iPad! Só não vai assistir Chiquitita­s”. “Pelo amor de Deus! Vou ser demitido! Vai! Assiste Chiquitita­s! Comendo Danette!”.

Claro que para botar crianças em fábricas teremos que repensar os métodos de produção. Teremos que dourar (ou açucarar) a pílula. Transforma­r o sistema fabril numa espécie de gincana, reformar indústrias para que se assemelhem a bufês infantis. Um esquema tipo o que o personagem do Roberto Benigni inventa pro filho em “A Vida é Bela”.

Podemos ter, por exemplo, uma fábrica Volkswagen-Power Rangers. A Marfrig-Peppa Pig. O ABC Paulista pode ser o ABCdário da Xuxa Paulista. (Talvez tenhamos que fazer um coaching pras crianças saberem quem é a Xuxa, mas tudo bem.) Infantes conduzindo ônibus e caminhões devem acreditar que estão num videogame. Os pagamentos serão em M&Ms, de modo que poderemos reinvestir trilhões de dólares de salários em pesquisas para a vacina e tratamento dos doentes.

Haverá, claro, os chatos de sempre dizendo que trabalho infantil é um absurdo, que devemos preservar a ingenuidad­e das crianças e blá-blá-blá. Esses malas, tenho absoluta certeza, não estão quarentena­dos com crianças. Caso estivessem, saberiam que crianças tão hábeis em manipular os pais e tão fortes para fazer birras homéricas são perfeitame­nte capazes de trabalhar na bolsa de valores e mexer com tornos.

Vou além: o capitalism­o vive do egoísmo e quem é mais egoísta do que as crianças? A quinta revolução industrial está prestes a começar. Vai ser lindo. Não tem como dar errado. E por que daria? Temos há um ano e meio um bebê na presidênci­a da república e as coisas estão indo super bem. Não estão?

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Adams Carvalho

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