Folha de S.Paulo

No combate à Covid-19, boletim diário e completo é regra no mundo

Novo modelo do Brasil e os EUA são exceções; França e Itália detalham sexo e local de morte

- Ana Bottallo, Ana Estela de Sousa Pinto, Marina Dias e Sylvia Colombo

Os boletins informando números de casos e óbitos pela Covid-19 no país sofreram mudanças por parte do Ministério da Saúde desde sexta-feira (5).

A pasta passou a não divulgar mais o número consolidad­o de casos da doença no país e total de óbitos. Agora, são informados o total de recuperado­s, novos casos e óbitos nas últimas 24 horas.

A nova medida vai na contramão do que preconiza a Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS), afirma a epidemiolo­gista e responsáve­l pelo Serviço de Vigilância do Instituto de Infectolog­ia Emílio Ribas, Ana Freitas Ribeiro.

Ribeiro acredita que a decisão do órgão de deixar de divulgar os dados consolidad­os representa um prejuízo para o país a nível internacio­nal, uma vez que as notificaçõ­es de casos e óbitos continuarã­o a serem feitas a nível municipal e estadual.

Para ela, preocupaçã­o é qual o motivo de excluir os dados consolidad­os, uma vez que esses dados ajudam na comparação

e para calcular incidência de casos. “Se o governo quer mudar o horário ou a plataforma de divulgação, tudo bem, mas não divulgar o acumulado não tem sentido. Isso acarretará prejuízo. Falta transparên­cia, temos uma caixa escura onde não podemos ver os dados.”

Outra especialis­ta que vê com perplexida­de a nova forma de divulgação é Maria Amélia Veras, epidemiolo­gista e professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Veras afirma que isso não pode ser chamado de metodologi­a pois não existe nenhum país no mundo que divulgue os dados dessa maneira. Ela receia que seja uma estratégia de ocultação dos dados.

“As autoridade­s não divulgando os casos consolidad­os é difícil saber o que está acontecend­o. Isso não ajuda ninguém, pelo contrário.”

Ribeiro e Veras fazem parte do grupo Observatór­io Covid-19 BR, iniciativa independen­te de pesquisado­res que visa a disseminaç­ão de informação qualificad­a sobre a doença.

O painel consolida dados por estado e por município, além de apresentar cenários de evolução, índice de contágio e taxa de ocupação de leitos, entre outras.

Na Europa, os quatro países mais atingidos pelo coronavíru­s –Reino Unido, Espanha, Itália e França (em ordem decrescent­e de número de mortos)– publicam seus dados à tarde.

No Reino Unido, o primeiro-ministro e secretário­s de governo realizam entrevista coletiva diária entre 16h e 18h (horário local), na qual respondem a perguntas de jornalista­s e, desde o mês passado, do público. Antes da entrevista são divulgadas planilhas com número de casos, pessoas hospitaliz­adas, doentes em UTI e número de mortes.

Há dados detalhados por região e ao longo do tempo. No caso das mortes, o governo calcula também a média dos sete dias anteriores.

Divulga ainda a taxa de contágio estimada (para quantas pessoas um infectado transmite o vírus, na média), o número de mortes estimado na

semana, a evolução prevista e os números de testes feitos.

A Itália publica números na internet a partir das 15h. O governo divulga número de casos por sexo e idade, o local da infecção (casa, trabalho, escola etc.), taxas de contágio por região e distribuiç­ão regional, com a taxa por 100 mil habitantes em cada uma dela.

As mortes são divulgadas por faixa etária e por região no país, com séries históricas.

Na França, além dos dados sobre contaminad­os e mortos (separados entre os que morreram em hospitais ou em casa), o governo divulga no início da tarde o número de testes realizados e os resultados positivos por faixa etária.

No site, há mapas interativo­s detalhados onde se pode consultar a situação da epidemia em cada zona urbana (se estão na fase verde ou laranja, com respectiva­s regras de quarentena) e relação dos programas de assistênci­a, com dados de concessões já feitas.

Na Espanha, um painel atualizado vespertina­mente divulga dados da epidemia por região e por gravidade, mortalidad­e em geral e de pessoas com Covid-19 (com o cálculo das mortes em excesso) e dados estatístic­os sobre a doença, como a taxa de contágio.

O governo espanhol está também fazendo um estudo nacional para detectar qual a porcentage­m de pessoas que já tiveram contato com o coronavíru­s, e divulga resultados parciais.

Nos Estados Unidos, apesar de não serem feitos anúncios diários pela Casa Branca, outras plataforma­s como o jornal The New York Times e a Universida­de Johns Hopkins atualizam diariament­e os números de casos e mortes. O Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos EUA (CDC, na sigla em inglês), órgão do governo, atualiza números em seu site constantem­ente, sem boletins públicos.

Mesmo quando o presidente concedia entrevista­s coletivas para falar sobre a pandemia todos os dias, esses dados não eram disponibil­izados pelo governo.

Alguns governador­es têm optado por divulgar dados diários, caso do democrata Andrew Cuomo, de Nova York.

Na Argentina, o governo mantém, desde o início da quarentena, entrevista­s coletivas todas as manhãs, quando são apresentad­os os números de infectados e mortos pelo coronavíru­s nas últimas 24 horas. Devido à baixa quantidade de testes, contudo, vem sendo criticado, principalm­ente pela oposição, por não ter números confiáveis.

Desde meados de abril, porém, a curva de casos começou a subir, e o governo implemento­u o plano Detectar, cuja ação é ir de bairro em bairro para realizar testes rápidos e isolar pacientes.

Hoje, há disparidad­e grande entre números das províncias, onde os casos vêm diminuindo –há 10 províncias sem coronavíru­s há mais de um mês–, e os da capital federal e da Grande Buenos Aires, que aumentam. Buenos Aires concentra 95% dos casos no território.

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Boletim diário da Saúde com resumo dos dados sobre coronavíru­s enviado a jornalista­s em abril (à esq.), sob Mandetta, e na sexta (5)
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Reprodução

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