Folha de S.Paulo

Domingo tenso no Brasil

Não tem jogo, mas haverá torcedores nas ruas pela democracia. Não pode?

- Juca Kfouri Jornalista e autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP

Se é verdade que a maior parte do povo brasileiro não quer mais o que está aí, e lembremos que esse foi o argumento central para o impeachmen­t de Dilma Rousseff, mesmo entre os que rejeitam o governo federal há contraried­ade sobre as manifestaç­ões marcadas para este domingo (7).

Argumentos sensatos não faltam aos que acham que não é hora de ir às ruas.

Bolsonaro mandou retirar suas tropas milicianas para evitar confrontos. A razão oculta é óbvia: infiltrar os provocador­es, causar tumulto, agredir a PM, queimar a bandeira do Brasil, como fizeram em Curitiba, ato imediatame­nte repudiado pelos manifestan­tes. São inúmeras as convocaçõe­s das tropas fascistoid­es nas redes sociais para o confronto.

Do lado dos que querem se manifestar como é direito em qualquer democracia, as ponderaçõe­s não são menos razoáveis: quem deseja a baderna não precisa de motivos para criá-la, basta lembrar do atentado ao Riocentro, no dia 30 de abril de 1981.

O Brasil vivia os estertores da ditadura e havia um show de música em comemoraçã­o ao Dia do Trabalhado­r.

Um sargento e um capitão do exército, em oposição ao processo de abertura, se dispuseram a botar uma bomba no local, crime que seria atribuído à esquerda.

Para azar deles e sorte do país, a bomba explodiu antes, ainda no carro em que estavam. O sargento morreu na hora e o capitão ficou gravemente ferido.

Anos depois o próprio Jair Bolsonaro planejou botar bombas na adutora do rio Gandu para forçar aumento do soldo, e a revista Veja publicou os croquis feitos por ele. Quem são os terrorista­s? Os que vão se manifestar convocados pelas alas antifascis­tas das torcidas de futebol dizem que não querem ver a volta da ditadura pela janela. Um direito líquido e certo. Ah, sim, estamos todos preocupado­s. Primeirame­nte porque a pandemia está em plena ascensão. Depois porque, os mais velhos, prudenteme­nte em casa, não querem os filhos expostos, além do vírus, aos excessos da PM.

Cabe aos governador­es mostrar se têm o comando de suas polícias. Deles será a responsabi­lidade pelo que vier a acontecer, se já não bastasse terem relaxado o isolamento social quando as mortes e os casos batem recordes.

É uma lástima que os mais experiente­s não possam se juntar num cordão de constrangi­mento à violência.

Como é uma pena que os partidos de oposição, por mais correta que possa ser a postura de não engrossar as manifestaç­ões, não acenem nem sequer com solidaried­ade e respaldo vigilante.

Há anos vivemos tempos distópicos.

Fez-se uma retumbante operação contra “a maior corrupção da história do mundo”, a Lava Jato, que revelou-se, graças ao Intercept, tão falsa como uma nota de três reais. E ainda um justiceiro, que fala “conje” e “houveram”, quase virou, de preto, herói nacional, apesar de ser um blefe treinado nos EUA.

Derrubou-se uma presidenta eleita sem crime, e os principais arquitetos, Aécio Neves e Eduardo Cunha, são o que são —e já se sabia o que eram.

Em meio a tanta falsidade, já que a juventude irá mesmo protestar, no mínimo, tratemos de a proteger.

Seria lindo derrubar o obscuranti­smo vigente e impedir o planejado autogolpe dentro de casa e em paz.

Mas Papai Noel não existe, o Coelhinho da Páscoa não saiu da toca neste ano com medo da Covid-19 e a bola está quicando na área. Quem souber que faça o gol.

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