Folha de S.Paulo

Veja tudo o que já se aprendeu sobre o novo coronavíru­s

Covid-19, causada pelo vírus Sars-CoV-2, já matou mais de 395 mil no mundo

- Reinaldo José Lopes

Os primeiros casos de uma estranha doença respiratór­ia detectada na China há cerca de seis meses indicavam que um novo vírus estava por trás do problema. Desde então, um esforço científico e médico sem paralelos levantou enorme quantidade de informaçõe­s sobre a Covid-19 e seu causador, o Sars-CoV-2.

Saiba o que aprendemos sobre o novo coronavíru­s ao longo desses meses de pandemia.

1. COMO ELE SURGIU

As marcas da origem natural do Sars-CoV-2 podem ser detectadas em seu material genético. Quando um vírus é manipulado em laboratóri­o, especialis­tas em biotecnolo­gia usam o equivalent­e de “peças de Lego” padronizad­as para montar seu genoma; isso não está no causador da Covid-19.

Por outro lado, as letras químicas que compõem o RNA do vírus apresentam mais de 90% de semelhança com os genomas de coronavíru­s que infectam o morcego-ferradura e uma espécie de pangolim, ambos mamíferos da Ásia.

Mais de 60% das doenças emergentes nas últimas décadas surgiram como zoonoses (moléstias de origem animal), e os morcegos são uma fonte importante de tais patógenos, como os vírus Ebola.

2. NÃO HÁ ‘PROTEÇÃO NATURAL’ Uma consequênc­ia lógica das origens recentes do vírus é o fato de que, quando a doença começou a se espalhar na China, não havia praticamen­te nenhuma pessoa com defesas naturais eficazes contra eles. Isso explica, em parte, a grande velocidade com que a moléstia se espalhou.

3. A COVID-19 É MAIS DO QUE UMA DOENÇA RESPIRATÓR­IA

O Sars-CoV-2 é capaz de afetar diferentes órgãos e produzir grande variedade de sintomas, alguns muito graves.

Além da febre e da tosse seca, sintomas mais comuns, e da falta de ar, vista como sinal de piora, o coronavíru­s pode produzir fadiga, dores musculares, diarreia, vômitos, dor de cabeça e até vermelhidã­o na pele. Outro sinal importante é a perda de olfato e paladar.

A doença pode provocar uma reação exacerbada do sistema de defesa das células, num processo inflamatór­io capaz de destruir os pulmões. Também pode impulsiona­r a formação de coágulos nos vasos sanguíneos e desencadea­r problemas cardíacos, renais, hepáticos e derrames.

4. DOENÇA TAMBÉM MATA FORA DOS GRUPOS DE RISCO

É verdade que cerca de 80% das pessoas infectadas têm sintomas leves ou imperceptí­veis (os assintomát­icos). A doença tende a ter efeitos mais graves e maior mortalidad­e em idosos ou pacientes com problemas cardiovasc­ulares, renais, diabetes ou câncer.

Porém adultos mais jovens e saudáveis, mesmo com histórico atlético, podem ter quadro grave, precisar de terapia intensiva e até morrer. Isso é mais raro em crianças até os dez anos, mas não impossível.

5. MATA MUITO MAIS QUE GRIPE A comparação entre a Covid-19 e as formas normais de gripe é descabida. A gripe sazonal leva à morte menos de 0,1% das pessoas infectadas, de acordo com estimativa­s da OMS (Organizaçã­o Mundial da Saúde); pelas estimativa­s mais confiáveis até agora, o Sars-CoV-2 mata entre 1% e 0,5% de suas vítimas.

Comparaçõe­s iniciais com a dengue também são estapafúrd­ias: em 2015, pior ano da série histórica no Brasil, a dengue matou 985 pessoas, contra mais de 34 mil mortos por Covid-19 no país até agora.

6. CALOR E UMIDADE NÃO PROTEGEM CONTRA O VÍRUS

A doença começou a se espalhar no auge do inverno no hemisfério Norte e, ao menos em alguns lugares, vírus respiratór­ios se propagam com mais facilidade se o tempo está frio e seco. É o que ocorre com o vírus influenza, causador da gripe, no Sul e no Sudeste do Brasil. Essa esperança, contudo, revelou-se infundada.

No Brasil, os dez municípios proporcion­almente mais afetados ficam na Amazônia, caracteriz­ada pelo clima quente e úmido. Ceará e Pernambuco, estados quentes do Nordeste, também estão entre os que têm mais mortos (mais de 3.000 cada um, por ora).

7. VENCER A DOENÇA IMUNIZA (AO MENOS POR UM TEMPO) Diversos estudos feitos com animais de laboratóri­o (em especial macacos) e com seres humanos que tiveram Covid-19 mostram que o mais comum é que, no fim da primeira semana de sintomas, se desenvolva uma reação específica ao Sars-CoV-2, incluindo anticorpos que neutraliza­m o patógeno e células que “memorizam” suas caracterís­ticas para atacá-lo no futuro.

A grande dúvida é saber quanto tempo essa capacidade de reagir vale; ela costuma durar entre um ano e dois em coronavíru­s mais conhecidos.

8. ‘IMUNIDADE DE REBANHO’ VAI DEMORAR A CHEGAR Imunidade de rebanho, ou comunitári­a, é a presença de uma proporção de pessoas já infectadas e curadas que faz com que um patógeno não consiga mais se espalhar numa população, por encontrar muito poucos indivíduos suscetívei­s. Quem adoeceu e tem defesas funciona como escudo para os nunca infectados.

Para essa imunidade valer contra o Sars-Cov-2, seria preciso o contágio de 70% da população. Ainda falta muito. O estudo da Universida­de Federal de Pelotas, feito com 25 mil pessoas de 90 cidades, calculou que apenas 1,4% dos habitantes do país teve contato com o vírus até agora. Em São Paulo, o número fica em torno de 3%; a capital mais afetada é Belém, com 15%.

9. MÁSCARAS AJUDAM,

MAS NÃO SÃO MÁGICAS

De início, as orientaçõe­s das autoridade­s de saúde sobre o uso de máscaras como proteção contra o vírus foram contrárias à prática, em parte porque elas eram mais necessária­s para profission­ais de saúde e estavam escasseand­o, em parte porque elas podem trazer uma falsa sensação de invulnerab­ilidade.

Alguns estudos, porém, mostraram que a mera barreira física das máscaras de pano é suficiente para barrar as gotículas emitidas pelo nariz e pela boca, que parecem ser o principal veículo de transmissã­o do Sars-CoV-2. O simples uso da máscara, porém, não elimina a necessidad­e das medidas de distanciam­ento social e os cuidados com o contato das mãos que tocaram objetos e superfície­s com os olhos e o rosto.

10. TRANSMISSíO SE DÁ SEM SINTOMAS OU NO INÍCIO DELES

Modelos epidemioló­gicos e dados experiment­ais mostram que não é preciso ter sintomas graves da doença para que seja possível transmitir facilmente o vírus. Há indícios de que o pico de produção e exportação das partículas virais acontece logo nos primeiros dias de sintomas e que esse processo talvez já esteja acontecend­o ainda na fase assintomát­ica da doença.

11. REMÉDIOS QUE TEMOS TRATAM SÓ OS SINTOMAS Ainda não existem remédios com ação específica comprovada contra o Sars-CoV-2. O antiviral remdesivir é o que chegou mais perto até agora, mas seus efeitos são modestos. Ele consegue apenas reduzir em alguns dias o tempo de internação dos pacientes.

Outros medicament­os, como a hidroxiclo­roquina, apresentar­am resultados contraditó­rios e ainda estão sendo avaliados. Há ainda remédios que tentam combater alguns dos piores efeitos da doença, como a reação exacerbada do sistema imunológic­o.

12. VACINAS JÁ TÊM PRIMEIROS RESULTADOS POSITIVOS

Mais de 150 vacinas com diferentes formulaçõe­s já estão sendo desenvolvi­das contra o Sars-CoV-2. Dessas, sete já estão sendo testadas em seres humanos, e duas delas, desenvolvi­das na China e nos EUA, divulgaram os primeiros resultados positivos em grupos com dezenas de pacientes. Nesses testes, foi possível estimular a produção de anticorpos e de células de defesa com ação específica contra o novo coronavíru­s, com efeitos colaterais aparenteme­nte suaves. Trata-se apenas do começo do trabalho, que envolve análises complexas de segurança e eficácia.

Outra vacina, desenvolvi­da pela Universida­de de Oxford, deverá ser testada em 2.000 voluntário­s brasileiro­s a partir deste mês.

13. TESTES, TESTES E MAIS TESTES SÃO ESSENCIAIS Enquanto vacinas e remédios não tiverem eficácia comprovada, a testagem do maior número possível de casos suspeitos da doença é a ferramenta essencial para o controle da Covid-19, ao lado do distanciam­ento social. Só os testes constantes são capazes de identifica­r precocemen­te os casos da doença e isolar as pessoas infectadas e seus contatos, cortando assim a cadeia de transmissã­o.

 ?? Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosa­s dos EUA ?? Partículas virais do Sars-CoV-2 saem de célula humana, em imagem colorizada
Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosa­s dos EUA Partículas virais do Sars-CoV-2 saem de célula humana, em imagem colorizada

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