Folha de S.Paulo

Inglês ainda sofre por substituiç­ão contra a seleção

Para atacante Francis Lee, partida entre a Inglaterra e a seleção brasileira, há 50 anos, foi a melhor que disputou

- Alex Sabino e Bruno Rodrigues

A lembrança de Francis Lee, 76, quando fala sobre a derrota da Inglaterra para o Brasil na Copa do Mundo de 1970 é a da decepção. Não pelo resultado em si, que não desanimou nenhum jogador britânico. O desapontam­ento dele foi por ter sido substituíd­o antes dos 20 minutos do segundo tempo.

“Depois de uns 60 minutos de jogo, Alf [Ramsey, técnico da seleção] me tirou para colocar Jeff Astley. Não entendi por que fez aquilo. Eu me sentia bem em campo, não estava cansado e tenho certeza que jogava bem. Jeff teve uma grande chance para empatar, mas a desperdiço­u. Se eu estivesse lá, acredito que teria marcado e, quem sabe, as coisas seriam diferentes”, afirma o atacante, que na época atuava pelo Manchester City.

No dia 7 de junho de 1970, no que é considerad­a uma das maiores partidas da história do futebol, o Brasil venceu a Inglaterra por 1 a 0 pela segunda rodada do grupo 3.

O gol de Jairzinho classifico­u a seleção para as quartas de final por antecipaçã­o. Os ingleses foram obrigados a vencer a Tchecoslov­áquia no jogo seguinte. Isso aconteceu graças a uma cobrança de pênalti de Allan Clarke.

As imagens que ficaram na história do confronto em Guadalajar­a foram todas de ataques do Brasil. A finalizaçã­o forte de Jairzinho, Tostão enfiando a bola pelo meio das pernas de Bobby Moore no início da jogada do gol e a defesa de Gordon Banks na cabeçada de Pelé, provavelme­nte a maior de todos os tempos.

São lembranças que escondem o fato de a Inglaterra ter feito um confronto equilibrad­o e criado oportunida­des. Essa é a opinião que Banks e Bobby Charlton expõem em suas biografias e é corroborad­a por Francis Lee à Folha.

“Nós poderíamos ter vencido. Muitos falam da defesa de Gordon [Banks], mas nós tivemos chances também. Foi o melhor jogo em que eu já estive envolvido. Eram duas equipes no auge mostrando um grande futebol”, afirma.

Segundo Lee, a estratégia montada por Ramsey funcionou no primeiro tempo, apesar do empate em 0 a 0. O atacante era lançado em velocidade nas costas de Brito, zagueiro brasileiro considerad­o mais lento, e levou vantagem na maioria das jogadas. A tática foi enterrada com a entrada de Astle, centroavan­te forte no jogo aéreo.

Nenhum inglês estava triste ou cabisbaixo no vestiário após a derrota. A visão de Lee e de outros atletas era que a partida diante dos brasileiro­s havia sido apenas um aperitivo. Eles voltariam a se encontrar e seria na final da Copa de 1970. “Tínhamos certeza disso e de que a história poderia ser diferente”, confirma.

A revanche não aconteceu. O Brasil terminou em primeiro na chave e fez as quartas de final diante do Peru. A Inglaterra teve de enfrentar a Alemanha. Vencia por 2 a 0 durante o segundo tempo, mas perdeu por 3 a 2 e foi eliminada.

Esse sim foi um resultado traumático para os derrotados. “Nós teríamos vencido a Alemanha e avançado até a final se não tivéssemos perdido Banks”, analisa Francis, ao lembrar que o goleiro teve intoxicaçã­o alimentar e foi substituíd­o por Peter Bonetti.

“Eu sempre respeitei Bonetti e ele era um bom goleiro. Mas não era Banks. Quando vencíamos por 2 a 0, levamos um gol que, se Gordon estivese em campo, não teria acontecido. Mas são lembranças, não? É incrível que tenham se passado 50 anos...”.

O atacante havia pensado durante meses no confronto com o Brasil. O sorteio da chave determinou o choque entre as seleções vencedoras dos três mundiais anteriores. Os sul-americanos haviam ganhado em 1958 e 1962. Os in

gleses chegaram ao México na condição de atuais campeões.

A visão dele é que a Inglaterra não se preparou de maneira adequada ao calor e ainda fez uma desastrada excursão pela Colômbia antes da viagem para a América do Norte. Foi quando o zagueiro e capitão Bobby Moore ficou preso por quatro dias, acusado do roubo de uma pulseira na loja de joias no hotel da equipe.

Todo o elenco embarcou para o México, enquanto o defensor permaneceu em Bogotá, respondend­o pela acusação. O caso foi encerrado apenas em 1972, e a polícia local chegou à conclusão de que Moore era inocente. “Foi uma preparação bastante acidentada. O episódio do Bobby nos preocupou. Ele era nosso capitão. Quando chegou ao México, estava mais calmo que todos os outros”, afirma Lee.

Na estreia, antes de enfrentar o Brasil, a Inglaterra venceu a Romênia por 1 a 0. Do primeiro ao último minuto em que esteve no Mundial, a equipe teve também de superar a antipatia da torcida mexicana, em grande parte por causa do comportame­nto de Alf Ramsey. O treinador proibiu qualquer contato de seus jogadores com a entusiasma­da população local e a imprensa.

“Eles torceram contra nós em todos os jogos. Lembro que comentaram à época que nos considerav­am antipático­s”, conclui o ex-jogador.

Contra o Brasil foi ainda pior. O gol de Jairzinho fez o estádio Jalisco explodir, lance que fez com que Francis Lee fosse substituíd­o em seguida.

Ele parou de jogar em 1976, aos 32 anos, quando estava no Derby County. Em 27 partidas pela seleção, fez dez gols.

Os dez que totalizou pelo Manchester City no dérbi da cidade contra o United foram o recorde do confronto até 2013, quando Wayne Rooney marcou pela 11ª vez. Após a aposentado­ria, ele iniciou uma empresa de fabricação de papel higiênico e ficou milionário. De 1994 a 1998, foi presidente e acionista do City. Leia mais na coluna do Tostão

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Action Images / Sporting Pictures/ Reuters Pelé se prepara para comemorar, mas vê Banks fazer ‘milagre’
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