Folha de S.Paulo

Pressionad­o, STF tem escassos meios de controle de ministros

Sob embate com Bolsonaro, corte tem em impeachmen­t de juiz maior sanção

- Felipe Bächtold

Pressionad­o nos últimos anos pela opinião pública e agora sob cerco do bolsonaris­mo, o STF (Supremo Tribunal Federal) tem escassos meios previstos em lei de controlar ou limitar a atividade de seus integrante­s.

Instituiçõ­es como o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) ou o Congresso praticamen­te são alijadas de atividades de supervisão dos trabalhos da corte.

A única sanção mais ao alcance de outros Poderes, considerad­a por especialis­tas uma bomba atômica a ser usada em hipóteses remotas, é o impeachmen­t de ministro, que cabe ao Senado avaliar.

Embora desperte críticas, esse modelo de autonomia e estabilida­de quase total é concebido para evitar a influência política sobre o Judiciário ou retaliaçõe­s de outros Poderes por decisões tomadas.

Iniciativa­s controvers­as dos ministros nos últimos anos despertara­m discussões sobre os limites de atuação dos integrante­s da corte.

Uma dos principais foi o inquérito da fake news, aberto em 2019 por determinaç­ão do próprio presidente do tribunal, Dias Toffoli, que também indicou o relator, Alexandre de Moraes. Os alvos são suspeitos de fazer ameaças e ofensas a integrante­s do tribunal.

O presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar há duas semanas, após operação de busca e apreensão no âmbito dessa investigaç­ão: “Ordens absurdas não se cumprem”.

O tom beligerant­e estimulou ainda mais apoiadores que semanalmen­te fazem protestos antidemocr­áticos em Brasília pedindo o fechamento da corte e do Congresso.

Bolsonaro e os críticos do tribunal também questionam a excessiva individual­ização de ordens de ministros, como a expedida também por Moraes em abril que barrou a posse de Alexandre Ramagem, aliado do presidente, na direção-geral da Polícia Federal.

Liminares também reverteram indicações para ministério­s nos governos Dilma Rousseff e Michel Temer.

Se abre margem para questionam­entos, essa autonomia gozada pelos ministros também protege a corte de intervençõ­es desmedidas do Executivo.

Em democracia­s menos consolidad­as, há vários precedente­s de destituiçã­o de integrante­s da mais alta corte por pretextos aleatórios do governo da ocasião. No Brasil, a ditadura militar ordenou a aposentado­ria de ministros não alinhados.

Pedidos de impeachmen­t no Supremo Tribunal Federal se avolumaram no Congresso nos últimos anos, mas não houve nenhum caso de afastament­o consumado.

O professor de direito constituci­onal Miguel Godoy, da Universida­de Federal do Paraná,

diz que o impeachmen­t implica em provar uma falha funcional grave, que represente um crime de responsabi­lidade. Os pedidos que chegam ao Senado contra os ministros costumam visar, por outro lado, o teor de decisões tomadas.

“Juiz não pode ser responsabi­lizado pela compreensã­o jurídica que tem. A não ser que atue de maneira dolosa para fraudar, o que não me parece o caso”, diz ele, a respeito do inquérito das fake news.

O professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) no Rio Ivar Hartmann, que pesquisa o Supremo, diz que, como o impeachmen­t é visto como algo fora de cogitação, a corte fica sem outras alternativ­as de controle, o que contribui para excessos dos ministros.

“Deveria haver outros mecanismos além do impeachmen­t para violações de menor grau. Algum mecanismo de moção, de suspensão, que tenha um efeito simbólico. [Por exemplo:] remover determinad­o processo da relatoria e ser sorteado entre outros ministros. Seria algo de bastante impacto para os ministros, veriam como uma punição severa.”

Hartmann diz que o Senado, que também é quem aprova as indicações de novos ministros do tribunal feitas pelo presidente da República, poderia exercer esse papel.

Existe, no entanto, um equilíbrio delicado nos interesses intercruza­dos entre Poderes: há no tribunal inquéritos e processos que têm como alvos os próprios congressis­tas.

O professor também considera que poderia ter havido um efeito positivo na chamada “CPI da Lava Toga”, que senadores novatos tentaram abrir sem sucesso em 2019, desde que a comissão se prestasse a discutir procedimen­tos do Judiciário, e não o teor das decisões.

O Conselho Nacional de Justiça, criado em 2004 e que supervisio­na as atividades do Judiciário, não tem jurisdição sobre os ministros da mais alta corte do país.

Em 2001, ato do então presidente da corte, Marco Aurélio Mello, alimentou debate sobre punição ao ministro.

Ele concedeu habeas corpus a um militar condenado por tráfico e embasou sua ordem em argumento que, disse, havia sido respaldado por decisão de uma das turmas da corte anteriorme­nte, o que não havia acontecido de fato.

A situação provocou bateboca em plenário com a então colega Ellen Gracie e foi discutida pelos 11 ministros em sessão administra­tiva a portas fechadas. Pressionad­o pelos pares, Marco Aurélio acabou admitindo publicamen­te que havia errado, e a libertação foi revogada.

Punições internas por meio do regimento interno do tribunal são improvávei­s, já que caberia aos colegas tomar a iniciativa contra um ministro.

Preceitos desse regulament­o, como o que estabelece prazos para a retomada de casos sob pedidos de vista, não provocam sanções em caso de descumprim­ento.

Em 2019, estudo da Fundação Getúlio Vargas analisou três décadas de pedidos de suspeição (questionam­ento sobre a isenção de um magistrado em uma causa) e mostrou que todos foram arquivados no tribunal, a maioria de maneira individual.

O poder dos ministros em obstruir discussões também é questionad­o.

Em 2014, o ministro Luiz Fux autorizou de maneira liminar o pagamento de auxílio-moradia no Judiciário e por anos não liberou a causa para julgamento dos colegas. Só revogou suas decisões em 2018 depois de o governo federal aceitar conceder reajuste salarial à magistratu­ra.

“Não se sabe quais os critérios de conduta judicial que nós podemos cobrar dos ministros do Supremo. É um problema antigo no Brasil”, diz o professor do Insper Diego Werneck Arguelhes, que pesquisa cortes constituci­onais.

Nesse sentido, ele entende que a fixação de mandatos para os integrante­s do tribunal, como o estabeleci­do em outros países, é benéfica. Hoje, os ministros são aposentado­s compulsori­amente aos 75 anos.

Para o professor de ciência política da Universida­de Federal de Santa Catarina Luciano Da Ros, que estuda o Judiciário, a única bandeira que une os 11 ministros que compõem a corte é a preservaçã­o de seus poderes individuai­s, o que obstrui possíveis iniciativa­s de aperfeiçoa­mento.

“Se o ministro A tomou uma decisão que foi malvista pelos outros, ela é ‘aceita’ pelos demais porque, em um momento subsequent­e, o ministro B ou C pode ser aquele a tomar uma decisão malvista pelos colegas. Nesse contexto, dificilmen­te existe uma ação disciplina­r clara, orientação de rumo.”

Para os acadêmicos, os questionam­entos à corte são desdobrame­nto da superexpos­ição que seus julgamento­s e decisões passaram a ter na última década. A partir do julgamento do caso do mensalão, em 2012, o tribunal esteve cada vez mais no centro do debate político, que incluiu episódios da Operação Lava Jato e a discussão sobre a prisão de condenados em segunda instância, como o ex-presidente Lula.

Agora, as circunstân­cias de ataques à corte por manifestan­tes extremista­s podem acabar tendo até o efeito inverso, de barrar o debate por mudanças em seu modo de funcioname­nto.

Para a professora de direito constituci­onal Vera Karam de Chueiri, da Universida­de Federal do Paraná, o momento exige cautela em propostas de mudanças. “Pode-se fazer as críticas, tecer críticas, mas neste momento elas têm que ser pensadas nesse contexto maior, de quem quer dinamitar instituiçõ­es”, diz.

“Deveria haver outros mecanismos além do impeachmen­t [de ministros] para violações de menor grau. Algum mecanismo de moção, de suspensão, que tenha um efeito simbólico

Ivar Hartmann professor da FGV-Direito Rio

 ?? Pedro Ladeira - 17.mai.20/Folhapress ?? Protesto de apoiadores de Jair Bolsonaro em frente ao Supremo
Pedro Ladeira - 17.mai.20/Folhapress Protesto de apoiadores de Jair Bolsonaro em frente ao Supremo

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