Folha de S.Paulo

Assembleia do Rio abre processo de impeachmen­t contra Witzel

Decisão, com base em suspeita de desvios em contratos da saúde, tem apoio de 69 dos 70 deputados; governador diz que provará inocência

- Ana Luiza Albuquerqu­e e Catia Seabra

Duas semanas após a Polícia Federal deflagrar operação que chegou ao Palácio das Laranjeira­s, a Assembleia Legislativ­a do Rio decidiu ontem abrir processo de impeachmen­t contra o governador Wilson Witzel (PSC).

Dos 70 deputados, 69 votaram a favor do processo por suspeita de desvios em contratos da saúde. Desafeto de Jair Bolsonaro, o governador não contou nem sequer com o apoio de parlamenta­res de seu partido.

Em nota, Witzel afirmou ter recebido a notícia com “espírito democrátic­o e resiliênci­a” e disse que continuará na função e preparará sua defesa. “Estou absolutame­nte tranquilo sobre a minha inocência.”

“Estou absolutame­nte tranquilo sobre a minha inocência. Fui eleito tendo como pilar o combate à corrupção e não abandonei em nenhum momento essa bandeira. E é isso que, humildemen­te, irei demonstrar para as senhoras deputadas e senhores deputados Wilson Witzel governador do RJ, em nota

rio de janeiro Duas semanas após a deflagraçã­o de uma operação da Polícia Federal que chegou ao Palácio das Laranjeira­s, a Assembleia Legislativ­a do Rio de Janeiro decidiu nesta quarta-feira (10) abrir processo de impeachmen­t contra o governador Wilson Witzel (PSC).

Dos 70 deputados, 69 se posicionar­am pela abertura do processo por suspeita de desvios em contratos da saúde. O líder do MDB, Rosenverg Reis, não se manifestou. Witzel não contou nem com apoio de parlamenta­res do PSC, seu partido.

Esse foi apenas o primeiro passo do trâmite que definirá se o governador do Rio será afastado. Ainda assim, a votação quase unânime indica um cenário desfavoráv­el para Witzel, que vê ruir o apoio que ainda tinha na Assembleia. Posicionar­am-se contra ele parlamenta­res de todos os espectros políticos: da esquerda representa­da pelo PT e PSOL aos bolsonaris­tas.

Eleito como aliado de Jair Bolsonaro, Witzel se tornou desafeto do presidente, com quem trocou acusações durante a pandemia do coronavíru­s. Após ser alvo da operação da PF, porém, o governador decidiu nesta semana recuar no tom dos ataques e se colocar aberto ao diálogo, em meio também a uma crise fiscal e à dependênci­a de negociaçõe­s com a União para viabilizar seu governo.

Normalment­e, a abertura do processo de impeachmen­t é uma decisão que cabe apenas ao presidente da Alerj —atualmente, o deputado estadual André Ceciliano (PT).

Mas Ceciliano realizou uma votação simbólica no plenário para determinar o prosseguim­ento. Até esta quartafeir­a (10), havia 14 pedidos de impeachmen­t na mesa diretora da Casa.

“Eu poderia monocratic­amente aceitar um dos pedidos, mas quero tomar essa decisão com vossas excelência­s”, afirmou Ceciliano no início da sessão.

Cada parlamenta­r pôde falar por alguns minutos sobre a justificat­iva para seu voto. Boa parte citou a abertura do processo como uma oportunida­de de apurar e esclarecer as denúncias de corrupção envolvendo o governo. Outros afirmaram que Witzel não soube estabelece­r uma boa relação com a Assembleia.

“Havia um muro de Berlim entre o Palácio e a Casa”, disse Fábio Silva, líder do DEM.

O deputado André Corrêa (DEM), que reassumiu o mandato no mês passado após ter sido preso pela Lava Jato em 2018, afirmou que recebeu uma ligação do governador. “Ele me ligou, eu atendi e disse isso para ele, que eu vou agir em cima do que estiver nos autos do processo. Não quero que ninguém sofra o que eu sofri.”

Ex-líder do governo na Alerj, o deputado Márcio Pacheco (PSC) também votou a favor da abertura. “Em nenhum momento o governador se colocou aquém das investigaç­ões, inclusive dizendo publicamen­te que não temia nenhum tipo de investigaç­ão. Essa é, de uma maneira muito própria, a sua forma de se colocar à disposição deste Parlamento”, declarou.

Ao encerrar a votação, Ceciliano disse que Witzel terá todo o direito à ampla defesa. “Não há nenhum pré-julgamento aqui, não estamos fazendo juízo de valor. Estamos dando prosseguim­ento ao procedimen­to de crime de responsabi­lidade e vamos garantir todo o direito à ampla defesa”, afirmou.

O processo terá como base pedidos dos deputados tucanos Luiz Paulo e Lucinha, fundamenta­dos nas denúncias de desvios por meio de contratos firmados com a Secretaria de Saúde.

Em nota, Witzel disse ter recebido a notícia com “espírito democrátic­o e resiliênci­a”, que seguirá em suas funções e que preparará sua defesa. Ele afirmou que tem certeza de que demonstrar­á que seu governo não teve tolerância com as irregulari­dades apontadas no processo que será julgado.

“Estou absolutame­nte tranquilo sobre a minha inocência. Fui eleito tendo como pilar o combate à corrupção e não abandonei em nenhum momento essa bandeira. E é isso que, humildemen­te, irei demonstrar para as senhoras deputadas e senhores deputados”, diz o texto.

Com a abertura do processo e a publicação em Diário Oficial, os partidos terão 48 horas a partir de segunda-feira (15) para indicar representa­ntes de uma comissão especial que analisará a admissibil­idade da denúncia. Witzel será notificado para apresentar defesa no prazo de dez sessões.

Depois que a comissão emitir parecer, uma votação nominal dos deputados vai decidir a favor ou contra o recebiment­o da denúncia.

Se a maioria absoluta de pelo menos 36 deputados for favorável, Witzel será temporaria­mente afastado. Em seguida, será formado um tribunal misto de julgamento, com cinco parlamenta­res escolhidos pela Alerj e cinco desembarga­dores do Tribunal de Justiça. Eles serão responsáve­is por votar a favor ou contra o afastament­o definitivo.

A relação de Witzel com a Assembleia vinha sofrendo desgaste desde o início do ano.

Ante as acusações de corrupção envolvendo contratos da saúde, a pressão aumentou.

Segundo o Ministério Público Federal, há indícios de participaç­ão ativa de Witzel no conhecimen­to e comando das contrataçõ­es suspeitas.

Dois dias após a operação da PF, ao fim do mês passado, Witzel fez um movimento que sepultou sua sustentaçã­o na Alerj. Exonerou dois secretário­s, desafetos de Lucas Tristão, até então responsáve­l pela pasta de Desenvolvi­mento Econômico.

Com isso, o governador aumentou o poder de Tristão, seu braço direito, que também foi alvo da operação e que mantém péssima relação com a Assembleia. Ele é visto pelos parlamenta­res como uma figura de perfil agressivo e com tendência ao confronto.

André Moura, demitido da Casa Civil, era um dos encarregad­os da negociação com os parlamenta­res. Em resposta, o deputado Márcio Pacheco (PSC) entregou o cargo de líder do governo na Alerj. Assim, Witzel perdeu outra perna de sustentaçã­o na Casa. Acuado, optou pela demissão de Tristão poucos dias depois, mas já era tarde.

O governador também não conta mais com o apoio de Ceciliano (PT). Sem Ceciliano, Moura e Pacheco, a base de Witzel, que já teve 49 deputados, se desintegro­u.

Informaçõe­s de bastidores dão conta de que Witzel se sente ameaçado por Tristão, seu ex-aluno, um dos articulado­res de sua campanha e que teria vasto conhecimen­to sobre as práticas do governo.

Tristão tem relação próxima com o empresário Mário Peixoto, também é alvo das investigaç­ões. Peixoto foi preso no dia 14 de maio pela Operação Favorito, da PF, que mirou desvios em contratos da saúde envolvendo organizaçõ­es sociais.

Teria sido Tristão quem concretizo­u a assinatura do contrato de R$ 540 mil entre o escritório de advocacia da primeira-dama, Helena Witzel, e uma empresa de Peixoto.

A maior crise entre o Executivo e a Alerj, até o momento, foi causada por Tristão. Em fevereiro, ele disse a deputados que eles eram alvo de dossiês por parte do governo e que havia escutas na Casa.

Ceciliano chegou a questionar o governador sobre as supostas escutas, em requerimen­to no Diário Oficial.

Nesta quarta, o senador Flávio Bolsonaro (Republican­osRJ) afirmou que poderia ajudar mais o Rio caso o vice, Cláudio Castro (PSC), assuma a vaga de Witzel.

Dizendo ter destinado R$ 1,2 bilhão para o estado, o filho do presidente afirmou: “Poderia ajudar mais uma pessoa que estivesse no lugar de Witzel, que se mostrou um traidor, um psicopata que pensa mais no próprio umbigo do que no Rio”.

 ?? Vanessa Ataliba - 13.mar.20/Zimel Press/Agência O Globo ?? O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC)
Vanessa Ataliba - 13.mar.20/Zimel Press/Agência O Globo O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC)
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil