TCU aprova contas do governo, com ressalvas
Sob pressão, corte tem sessão marcada por recados políticos e alertas ao presidente e a ministros
O TCU aprovou, com ressalvas, as contas de Jair Bolsonaro, em sessão marcada por alertas de irregularidades no balanço do primeiro ano de gestão.
brasília O Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou com ressalvas, nesta quartafeira (10), as contas do presidente Jair Bolsonaro em uma sessão marcada por recados políticos e alertas por irregularidades no balanço do primeiro ano de gestão do governo.
O relator do processo, Bruno Dantas, apontou indícios de terceirização de despesas de ministérios para estatais, vetada por emenda constitucional, e verificou o pagamento de aposentadorias sem previsão orçamentária, algo que pode configurar crime de responsabilidade e levar a um processo de impeachment.
Braço do Congresso, o TCU tem de enviar parecer prévio sobre as contas do presidente para servir de base à votação pelos parlamentares. Caberá ao Congresso decidir se houve crime nas irregularidades verificadas pelos auditores.
No passado, a ex-presidente Dilma Rousseff teve suas contas reprovadas pelo tribunal e, antes da votação pelo Congresso, sofreu um impeachment por, dentre as infrações, ter usado recurso de bancos públicos no pagamento de benefícios sociais mantidos por programas de governo.
Na votação do balanço do primeiro ano da gestão Bolsonaro, os ministros do tribunal seguiram o parecer do relator e enviaram alertas e recomendações ao presidente e ministros que, de acordo com os auditores, cometeram erros.
Segundo Dantas, os auditores verificaram duas infrações que se referem a manobras para a realização de gastos de forma a burlar as regras de responsabilidade fiscal.
Na mais grave, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) usou recursos previstos no orçamento deste ano para arcar com R$ 1,48 bilhão em despesas do ano anterior com o pagamento de benefícios.
Na prática, a infração, segundo técnicos do TCU, configura crime de responsabilidade. Porém, diferentemente da gestão Dilma, desta vez a prática envolveu só um órgão e durou cerca de 20 dias. Sob Dilma, as irregularidades envolveram todos os bancos públicos e ao menos dois ministérios em operações de mais de R$ 100 bilhões por dez meses.
O mais provável, ainda segundo os auditores, é que haja, desta vez, algum tipo de punição aos gestores envolvidos no pagamento dos benefícios previdenciários.
Ex-ministro da Fazenda de Dilma, Nelson Barbosa postou nas redes sociais que a decisão do TCU de aprovar com ressalvas as contas de Bolsonaro denota emprego de “dois pesos e duas medidas, confirmando o estado de exceção no qual vivemos”.
A segunda falta grave foi verificada nas despesas do Ministério da Defesa. A pasta direcionou recursos como “aumento de capital” para a Emgepron, empresa ligada ao Comando da Marinha que gerencia projetos navais. Posteriormente, a estatal adquiriu embarcações para operarem na base de pesquisa na Antártida.
Com essa manobra, a Defesa se livrou de R$ 7,6 bilhões em despesas em seu balanço.
Segundo Dantas, se a compra fosse realizada pela pasta, como deveria ter ocorrido, haveria impacto direto no cumprimento do teto de gastos e no resultado fiscal da União.
Esta é uma prática que os técnicos chamam de “terceirização da execução de despesas da administração direta”.
A prática fere emenda constitucional que, desde 2016, impede a execução de gastos públicos de um ministério ou órgãos da administração pública direta por meio de estatais.
A irregularidade, porém, não deve configurar crime de responsabilidade no Congresso, segundo auditores.
Dantas destacou problemas nos compromissos assumidos pelo governo com organismos internacionais. Em 2019, foram destinados R$ 561,3 milhões, mas as obrigações somaram R$ 2,8 bilhões.
“Cerca de R$ 1,2 bilhão de obrigações de 2019 ficaram sem o devido suporte orçamentário ao fim do exercício.”
O julgamento das contas de Bolsonaro ocorre no momento em que o TCU sofre ataques de integrantes do governo.
Na reunião ministerial de 22 de abril, o presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, chamou o tribunal de “central do terror” por considerar que a atuação dos auditores fere a independência do Executivo.
Por isso, Bruno Dantas abriu o julgamento com um posicionamento político.
“A marcha da história e da civilização não permite que temamos as crises institucionais do século 13”, disse. “Aprender com as lições do passado, cumprir as obrigações do presente e apontar o melhor caminho para o futuro é o que nos cabe fazer. Tenho tranquilidade em afirmar que os poderes constituídos encontrarão o justo ponto de equilíbrio.”
O plenário decidiu recomendar ao ministro da Economia, Paulo Guedes, uma política transparente dos gastos durante a pandemia do coronavírus para evitar a falência dos mecanismos de controle fiscal, algo que daria um recado negativo aos investidores.
“Do contrário, pagaremos uma cara ‘Fatura Brasil’”, disse Dantas em seu voto.
Por isso, recomendou-se ao Executivo a elaboração de um plano de gestão sobre a dívida pública federal. Para Dantas, o Congresso autorizou uma espécie de “carta branca” para gastos como forma de conter os danos causados pelo coronavírus mas isso não significa, segundo ele, descontrole.
A dívida pública projetada para 2020 está em 90% do PIB e deve terminar acima de 100% com uma nova rodada de socorro financeiro.
A pandemia motivou outro alerta em relação ao descumprimento da regra de ouro, mecanismo que limita o crescimento dos gastos de um ano à inflação do ano anterior.
Em 2019, a União registrou receitas de operações de crédito de R$ 1 trilhão e realizou despesas de capital de R$ 871,7 bilhões. Ou seja, estourou a regra de ouro em R$ 185,3 bilhões e, para isso, precisou se endividar ainda mais com autorização do Congresso.
Dantas informou que essa situação se estenderia até 2026, segundo projeções do Tesouro Nacional, e, com os gastos decorrentes da pandemia, terá de ser ampliada. Em 2020, o governo precisará de novo aval do Congresso de, ao menos, R$ 250 bilhões para cumprir a regra de ouro.
Em outra frente, chamou a atenção do relator a quantidade de processos envolvendo a Secom (Secretaria de Comunicação Social), que, sob Bolsonaro, destinou mais recursos para veículos sem grande audiência, mas alinhados ao governo. Foi feita uma recomendação à Presidência para que esses gastos sejam divulgados com mais clareza ao público.
Alguns desses processos foram motivados por reportagens da Folha.
“Preocupou o risco de que o orçamento público e o aparato estatal possam vir a ser utilizados como instrumentos de limitação à liberdade de expressão e de imprensa, por meio da distribuição de benefícios e empecilhos a veículos de comunicação em função do grau de alinhamento político-ideológico com o governo”, disse Dantas.
“Esta corte não nasceu há 129 anos do sonho de Ruy Barbosa. Ela nasceu quando aqueles barões [...] se ergueram contra a falta de limites do déspota que os governava Bruno Dantas ministro do TCU, relator das contas de Jair Bolsonaro, em recado a críticas que a corte sofreu de membros do governo