TJ-SP dribla lei e exclui R$ 1 bi em despesa com funcionários, diz TCE
Reajustes e reembolsos de férias e licenças-prêmio não foram contados como dispêndio com pessoal
são paulo Com dificuldades para ajustar seus gastos aos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, o Tribunal de Justiça de São Paulo registrou pagamentos feitosa funcionários públicos como se não fossem despesas com pessoal.
Essa prática contábil permitiu que o tribunal não tivesse despesas barradas pela lei e pudesse nomear juízes e servidores aprovados em concursopúbl ico—embora aposse desses magistrados tenhas ido suspensa devidoàCov id -19. Também abriu caminho para que o tribunal loteasse cargos comissionados para funcionários atuarem junto à cúpula da corte.
De acordo com relatório de fiscalização do TCE (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) finalizado em 20 de março, o TJ não contabilizou em 2019 aproximadamente R$ 1 bilhão em gastos com servidores. O documento foi obtido pela Folha.
As despesas incluem reajuste de magistrados e demais funcionários (R$ 328 milhões), reembolsos de férias (R$ 449 milhões) e de licenças-prêmio (R$ 237 milhões) não gozadas.
Procurado, o Tribunal de Justiça diz que segue uma interpretação da Constituição em relação aos reajustes.
Já sobre os reembolsos de férias e licenças-prêmio, afirma que faz esse tipo de cálculo desde 2003 e, mesmo assim, sempre teve suas contas aprovadas pelo TCE. Acontece que esse cálculo não era um dado analisado detalhadamente até agora.
Segundo a fiscalização do TCE, “não há previsão legal” que permita a exclusão dos valores de férias e licençasprêmio “para fins da apuração da despesa com pessoal”. O TJ, atualmente, inclui esses valores como “indenizações e restituições trabalhistas”.
O órgão de contas cita como referência o manual de demonstrativos fiscais da Secretaria de Tesouro Nacional, que define o que compõe despesa com pessoal.
O manual “destaca as despesas que são dedutíveis e, ainda, que a despesa com indenizações por férias e licençaprêmio não gozadas por servidores em exercício são espécies remuneratórias e não podem ser deduzidas”.
Se tivesse contabilizado esse R$ 1 bilhão como despesa de pessoal como prevê o TCE, o TJ ultrapassaria o limite de gastos com funcionários e ficaria impedido de adotar qualquer medida que implicasse aumento de despesas.
Segundo o TCE, o TJ “estaria acima do permitido na LRF [Lei de Responsabilidade Fiscal] para despesa total de pessoal” e teria não só de evitar fazer novos gastos como também cortá-los.
Ainda assim, em março deste ano, o TJ nomeou 86 juízes aprovados em concurso público, cuja posse acabou suspensa devido à pandemia.
Com as contas em situação crítica, o TJ, por meio do expresidente Manoel Pereira Calças, já teve de fazer no primeiro semestre do ano passado um acordo com o TCE para reduzir os seus gastos até 2021.
Os dois órgãos haviam entrado em conflito a respeito de valores que incidiam diretamente na possibilidade de o TJ ultrapassar o limite de pessoal da Lei de Responsabilidade Fiscal.
O relatório de março deste ano do TCE integra o processo que analisará as contas do TJ de 2019, que tem como relator o conselheiro Dimas Ramalho.
Ainda não há uma data para o julgamento dessas despesas.
O Tribunal de Justiça de São Paulo tem um orçamento previsto para este ano de aproximadamente R$ 12 bilhões, equivalente ao PIB de Roraima. Maior do Brasil, o TJ-SP tem aproximadamente 40 mil servidores e 2,6 mil magistrados.
O relatório do TCE ainda questiona outras práticas financeiras do TJ. Foram contabilizados R$ 292 milhões referentes à folha de pagamento de dezembro de 2019 sem que essa despesa tivesse sido incluída no orçamento do ano passado, e sim no deste ano.
Com todos esses problemas financeiros, já se supõe que, nos próximos anos, o Tribunal de Justiça de São Paulo lance mão de um fundo bilionário abastecido por dinheiro de taxas judiciais para cobrir os rombos com gastos de pessoal.
Não é permitido o dinheiro do fundo para esse uso—embora oTJ já tenhau sado indevidamente averba para esses gastos, segundo o TCE—, mas os valores podem ser incorporados ao orçamento anual por meio de aprovação da Assembleia Legislativa.
O relatório de fiscalização do TCE aponta outros problemas coma organização financeira do tribunal. Um dele sé o uso de verba de emergências para bancar lanchinhos dos 360 desembargadores, como revelado pela Folha.
Outro ponto levantado pela fiscalização é que, segundo o TCE, o TJ-SP não soube localizar bens patrimoniais no valor de R$ 260 milhões.
De acordo com um levantamento feito pelos fiscais no Fórum João Mendes, o maior de São Paulo, o tribunal indicou onde está somente uma parcela dos bens. O restante consta em uma planilha chamada“patrimônios alevantar” ao menos desde 2017.
Diante da “inexistência física desses bens”, os técnicos do TCE propõem que seja aplicada uma multa no valor do patrimônio não localizado por prejuízo ao erário.
“Dada a quantidade expressiva de bens sema definição correta de localização( possivelmente extraviados/ furtados ), entendemos que a origem não empregou todos os esforços para o controle e registro de bens”, afirmam os fiscais.
Em março deste ano, devido à pandemia do novo coronavírus, o TJ-SP teve de lançar mão de um plano de contingenciamento, que prevê corte de custos como contratos, diárias e luz, além de um estudo para extinguir comarcas.