Folha de S.Paulo

O futuro do passado

- Roberto Dias roberto.dias@grupofolha.com.br

Os bandeirant­es voltaram à moda. Estão, de novo, na mira do politicame­nte correto. O alvo preferido é facilmente atacável: a estátua de Borba Gato, decerto uma das coisas mais feias de São Paulo. Mais difícil é achar quem estenda a crítica política ao Monumento às Bandeiras, obra modernista tombada.

Os bandeirant­es exemplific­am os problemas desse revisionis­mo para estabelece­r o que seria aceitável. Quatro das rodovias que conectam a capital paulista os homenageia­m: a dos Bandeirant­es, a Anhanguera, a Raposo Tavares e a Fernão Dias. Outra leva o nome de Anchieta, jesuíta que apoiava a escravidão dos negros e catequizav­a indígenas. O religioso deveria receber qual rótulo?

As rodovias paulistas também guardam questões mais contemporâ­neas. Ayrton Senna, que batiza uma delas, é o piloto que jogou o carro em cima de um adversário para ganhar um Mundial de F-1. Outra leva o nome do primeiro presidente da ditadura militar, Castello Branco. Ela cruza o Rodoanel Mário

Covas, político cassado pela ditadura de Castello, e o viaduto Roberto Cardoso Alves, que personific­a o centrão fisiológic­o do Congresso desde quando Arthur Lira estava no colégio. Os tamoios, homenagead­os num dos caminhos do litoral, praticavam o canibalism­o como vingança. Na época de D. Pedro 1º, que dá nome a uma estrada do interior, revoltosos eram executados.

Por falar em executados: Tiradentes, herói da Inconfidên­cia, tinha seis escravos, como lembrou o autor Laurentino Gomes. Suas estátuas deveriam ter o mesmo destino dado às de Cristóvão Colombo, pioneiro da conexão entre Europa e América?

Levado ao pé da letra, esse tipo de revisionis­mo não tem fim, nem melhorará o mundo por si só. Alguns dos que empunham tal bandeira partem de uma premissa furada de superiorid­ade moral. Outros ignoram a complexida­de de cada caso. Seria mais proveitoso educar melhor as pessoas sobre história do que sair por aí apagando o passado.

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