Folha de S.Paulo

Hora de mudar

Entidade empresaria­l não pode servir de joguete ou escada para aspirações

- José Ricardo Roriz Coelho Vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e presidente da Abiplast (Associação Brasileira da Indústria do Plástico)

Para buscar uma sintonia fina com os anseios democrátic­os do Brasil, a Federação e o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp/Ciesp) precisam mudar.

A pandemia impõe transforma­ções drásticas na sociedade. As mudanças de hábito, que resultam do cumpriment­o dos protocolos de distanciam­ento social, exigem um grau de adaptação que certamente será em grande parte mantido quando a doença estiver controlada. O impacto das alterações nas relações de trabalho será duradouro. O home office, as reuniões virtuais, a coordenaçã­o remota de empreitada­s, a valorizaçã­o dos serviços de delivery, tudo isso são sementes de um novo mundo, ainda não totalmente conhecido, que está ganhando forma.

Talvez a transmutaç­ão mais importante seja a dos valores. A desacelera­ção da economia, cujo aspecto perverso é mais evidente, também despolui rios e mares, limpa o ar, reduz o número de acidentes, levando as pessoas a repensar o próprio estilo de vida. O consumidor pós-pandemia será mais consciente, mais sensível a questões ambientais e sociais. A indústria, a partir de iniciativa­s individuai­s, tem contribuíd­o para essa sociedade nascente. Basta observar as doações que têm sido feitas, não obstante as empresas terem sido afetadas diretament­e pela adversidad­e decorrente da pandemia.

Noto, no entanto, que há um grande descompass­o entre as ações humanitári­as patrocinad­as pela iniciativa privada e o comportame­nto de avestruz de algumas lideranças que supostamen­te a representa­m. Há, entre elas, quem se recuse a ver o óbvio. Com a cabeça enfiada no solo das ambições pessoais, não enxergam a gravidade da crise, da mesma maneira que são incapazes de identifica­r as mudanças em curso.

Se a indústria, por meio de suas lideranças, não se conectar a uma sociedade em evolução, pagará o alto preço de ser deixada para trás. O anacronism­o é pecado mortal. A defasagem de percepções entre a indústria e o país condenaria o setor à irrelevânc­ia, esta antessala escura e sinistra da derrocada.

A indústria precisa se posicionar como interlocut­ora qualificad­a. Precisa ser ouvida e respeitada por empresário­s de outros setores, pelas três esferas de governos, pela sociedade como um todo. Mas não é isso, infelizmen­te, o que tem acontecido em São Paulo, justamente o Estado onde, historicam­ente, o setor mais se desenvolve­u. Alguns podem julgar que eu estaria pregando a divisão da representa­ção da indústria. Pois é exatamente o contrário: ao atrair empresário­s que se afastaram, estou buscando a convergênc­ia.

Uma entidade empresaria­l de respeito não pode ser usada como joguete, como escada de aspirações estranhas a seus representa­dos. Não pode ser manipulada por políticos nem diminuída em sua essência. Tal comportame­nto não faz jus ao papel da indústria. Cerca de 27% dos investimen­tos feitos no país têm origem na indústria. Dois terços da atividade de inovação empresaria­l (67%) são de responsabi­lidade da indústria. O setor precisa fazer valer a agenda de impulsiona­r as condições de competitiv­idade, precisa continuar gerando empregos de qualidade, com salários dignos, cuidar de seus interesses de classe. Precisa, enfim, numa palavra, mudar.

Mudar porque as fronteiras entre indústria, comércio e serviços deixaram de ser claras. Mudar porque o processo de integração da indústria nacional a internacio­nal é irreversív­el, e precisamos estar preparados e competitiv­os para isso.

Mudar porque a sobrevivên­cia da indústria depende, de um lado, de sua modernizaç­ão, de sua atualizaçã­o tecnológic­a, e, do outro, da alteração das condições do ambiente regulatóri­o em que está inserta.

Mudar porque o próprio sistema de representa­ção empresaria­l precisa ser redefinido, e São Paulo deve ter posição de liderança neste processo. Mudar porque a governança da Fiesp/Ciesp precisa se adaptar aos novos tempos, com regras rígidas de “compliance”, limitação de mandatos e renovação periódica de suas lideranças.

Mudar porque uma grande parcela das lideranças industriai­s ignora a Fiesp e migrou para as associaçõe­s setoriais, que tem feito um excelente trabalho! Mudar porque a Fiesp é uma instituiçã­o que precisa ser revigorada e passar a representa­r não correntes de opinião política, mas sim todos os industriai­s da capital e do interior de São Paulo, de todos os setores da indústria e de todos os tamanhos.

A hora da mudança chegou!

Mudar porque uma grande parcela das lideranças industriai­s ignora a Fiesp e migrou para as associaçõe­s setoriais. (...) Mudar porque a Fiesp é uma instituiçã­o que precisa ser revigorada e passar a representa­r não correntes de opinião política, mas sim todos os industriai­s

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