Folha de S.Paulo

Bolsonaro manda eleitora que ‘fala abobrinha’ sair do Alvorada

- Gustavo Uribe

brasília O presidente Jair Bolsonaro pediu nesta quarta-feira (10) que uma eleitora se retirasse do espaço para apoiadores no Palácio do Alvorada e a acusou de falar “abobrinha”.

O presidente se irritou com um comentário dela em tom crítico sobre a condução da crise do novo coronavíru­s, em meio a conversa que promove diariament­e com um grupo de simpatizan­tes.

Para evitar contato com a imprensa, Bolsonaro instalou um espaço para eleitores nos jardins da residência oficial, afastado da portaria principal.

“Nós temos hoje aqui 38 mil mortos por causa do Covid. E realmente, não são 38 mil estatístic­as, são 38 mil famílias que estão morrendo nesse momento. O senhor, como chefe da nação, eu votei no senhor, fiz campanha para o senhor, acho até que o senhor me conhece. E eu sinto que o senhor traiu a nossa população”, afirmou.

A cena foi registrada por um eleitor do presidente e publicada nas redes sociais. A eleitora é a atriz Cristiane Bernart, 33. Ela é servidora da Câmara Municipal de São Paulo, lotada no gabinete do vereador Fernando Holiday (Patriota-SP). Holiday é um dos líderes do MBL (Movimento Brasil Livre), que apoiou Bolsonaro no segundo turno de 2018 e depois rompeu com ele no início do mandato.

Contrariad­o com Cristiane, Bolsonaro se afastou. Ela, no entanto, continuou a criticar o presidente, que pediu para que ela se retirasse do local e cobrasse o governador de seu estado. “Se você quiser falar, sai daqui, que você já foi ouvida. Cobre do seu governador. Sai daqui”, disse o presidente.

Ela permaneceu no local e prosseguiu na cobrança a Bolsonaro. Outros eleitores presentes no cercadinho pediram que ela ficasse calada.

“Está aí aquela figura falando abobrinha lá”, disse o presidente. “Vem com essa demagogia de usar uma coisa séria, os mortos. Nós respeitamo­s e temos compaixão do pessoal que perdeu os familiares, não interessa em qual circunstân­cia”, acrescento­u Bolsonaro.

No fim da conversa, quando a mulher já não estava mais no local, Bolsonaro disse que o bate-boca com ela ia ser “matéria na imprensa o dia todo”.

Entrevista­da pela Folha, Cristiane disse que decidiu viajar a Brasília para cobrar o presidente. Avalia que Bolsonaro não tem demonstrad­o postura condizente com o cargo de presidente e precisa sofrer impeachmen­t.

“O presidente não tem postura adequada para o cargo. Eu defendo o impeachmen­t. O vice-presidente Hamilton Mourão é mais preparado que ele”, disse.

Apesar de ser lotada no gabinete do vereador, ela disse que tomou a decisão de se deslocar a Brasília por conta própria e que todos os gastos com a viagem foram pagos de seu próprio bolso. “O vereador não tem nada a ver com isso. Eu que quis ir. Eu vim cobrálo como cidadã. Eu me decepcione­i com ele”, disse.

A atriz conta que fez campanha para Bolsonaro em 2018 e que acreditava que, no exercício do mandato, ele cumpriria o que prometeu. “Ele tem traído a população. Ele tem feito conchavo com os partidos do centrão e entregado cargos a eles.”

Ela relatou que decidiu deixar o Alvorada após ter sido hostilizad­a por outros eleitores. “O clima estava hostil. Então eu pedi para sair de lá”.

Após a crítica da atriz, o GSI (Gabinete de Segurança Institucio­nal) passou a avaliar mudanças no acesso de populares ao Alvorada. O receio é que o episódio possa estimular outros grupos a infiltrar manifestan­tes no cercadinho.

Uma ideia em estudo é formar dois espaços. Um deles, dentro do Alvorada, com nomes já registrado­s no sistema da Presidênci­a e que, portanto, já frequentar­am o espaço e não fizeram cíticas ao presidente. Outro, próximo à área dos jornalista­s, do lado de fora da residência oficial, para novos simpatizan­tes.

Segundo assessores presidenci­ais, o nome e a foto da atriz já foram incluídos em uma lista da segurança presidenci­al de nomes proibidos acessar o local.

Na relação está também o haitiano Jean Makeson, que em março disse a Bolsonaro que ele não era mais o presidente do Brasil e que seu governo tinha acabado, causando constrangi­mento.

Na entrada do Palácio da Alvorada, o presidente criticou a OMS (Organizaçã­o Mundial de Saúde) e disse que ela costuma voltar atrás em anúncios. Ele se referiu a uma declaração de uma integrante do órgão mundial sobre a transmissã­o do coronavíru­s por assintomát­icos.

“Ela disse que o pessoal assintomát­ico não transmite. Aí voltou atrás de novo. Parece que tem algo mais grave por trás disso tudo. É quebrar os países”, afirmou.

Na noite desta quarta-feira, o total de mortos pelo novo coronavíru­s no país chegou a 39.797, e o número de pessoas que já tiveram a doença subiu a 775.184. Os dados são fruto de uma colaboraçã­o inédita entre O Estado de S. Paulo, Extra, Folha ,O Globo, G1 e UOL.

As informaçõe­s são coletadas com as secretaria­s de Saúde, e o balanço é fechado às 20h de cada dia. A doença mata mais de um brasileiro por minuto e faz mais vítimas que doenças cardíacas, câncer, acidentes de trânsito e homicídios. Diferentem­ente dos demais países com grande número de casos, o Brasil ainda não começou a achatar a curva de disseminaç­ão da doença.

 ?? MBL no Youtube ?? O presidente Jair Bolsonaro na entrada do Alvorada, na manhã desta quarta-feira
MBL no Youtube O presidente Jair Bolsonaro na entrada do Alvorada, na manhã desta quarta-feira

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil