Folha de S.Paulo

Oque queremos coma renda básica?

Foco deverias er superara miséria e ajudara romper com dependênci­a do Estado

- Fernando Schüler Professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo | dom. Elio Gaspari, Janio de Freitas | seg. Celso Rocha de Barros | ter. Joel Pinheiro da Fonseca | qua. Elio Gaspari, Conrado Hübn

O te mada exclusão racial tomou o centro do debate eé bom que isso tenha acontecido. Pedro Fernando Nery sintetizou em um dado o drama brasileiro: 60% dos meninos negros como o Miguel, abandonado no elevador daquele apartament­o bacana no Recife, vivem abaixo da linha da pobreza.

O país precisa avançar em políticas sociais inteligent­es e esta pode ser uma das principais lições da crise. O primeiro tema diz respeitoàr­end abásica. O governo anunciou que irá apresentar­a Renda Brasil. E o faz do seu jeito estranho, com pouco amor ao detalhe sobre como vai funcionar e de onde sairá o dinheiro. Mas OK,apautaé boa. OBra silvem experiment­ando um modelo bastante amplo de transferên­cia de renda emergencia­l. Seu desenho é precário, e o custo proibitivo. O modelo custaria em torno de 7% do PIB e implicaria um completo redesenho de nosso pacto social.

O que parece viável é avançar com moderação. Estudo apresentad­o por Sergei Soares, Letícia Bartholo e Rafael Osorio, do Ipea, sugere a unificação do Bolsa Família, abono salarial, salario-família e as deduçõescr­iança do Imposto de Renda.

Haveria ganhos de focalizaçã­o e coordenaçã­o. 77% dos recursos do Bolsa Família vão para o terço mais pobre da população, enquanto as deduçõescr­iança vão direto para o terço mais rico. Não parece haver muita dúvida sobre o que fazer.

Há duplicaçõe­s de benefícios e uma ampla parcela de famílias pobres que não recebem benefício algum. O simples ganho de eficiência na aplicação dos recursos duplicaria­s eu efeito, com impacto fiscal zero, na redução da pobreza e da desigualda­de.

A economista Monica de Bolle sugere algo distinto (e correto, na minha visão): o foco em uma renda básica infantil. Famílias

com crianças de 0 a 6 anos receberiam um complement­o de até meio salário mínimo, com impacto fiscal esperado entre 1% e 1,5% do PIB.

No fundo, estamos diante de uma discussão que envolve elementos normativos e funcionais. O país quer priorizara proteção da infância? A ideia é simplesmen­te não deixar que ninguém viva abaixo de um certo padrão de dignidade?

Ou o objetivo é mais arrojado e envolve a redução e, por fim, a eliminação da miséria?

Não acho que exista clareza alguma sobre estas coisas, e acho curioso que o país (a começar pelo governo) se dedique a desenhar programas sem explicitar sua visão normativa de longo prazo. Seria como ir levantando paredes sem antes perguntar em que tipo de casa se quer morar.

Definido o sentido normativo do programa, seu desenho fica mais fácil de fazer, e os economista­s, como observou provocativ­amente Samuel Pessoa, podem calcular quanto tudo irá custar.

De minha parte, digo que a renda básica brasileira deveria atendera quatro pontos normativos: te rum foco claro nos mais pobres e definir condiciona­lidades( além das hoje existentes no Bolsa Família, envolvendo formação profission­al, por exemplo). Deveria integrar programas a partir do Bolsa Família, que pode ser corrigido em seu alcance e valor, hoje irrisório. Integrar, aqui, tem um sentido amplo: substituir programas menos eficientes pela oferta direta de renda às pessoas.

Esta a reconversã­o de longo prazo que assistimos no “welfare state” contemporâ­neo: menos intermedia­ção das burocracia­s públicas e mais poder para que as pessoas façam suas escolhas, com liberdade.

Por fim, o caráter emancipató­rio. Se o objetivo de um programa der en dabás icaé superara pobreza, seu foco civilizató­rio deves era autonomia das pessoas frente ao Estado, de modo que elas possam viver do seu trabalho e senso empreended­or.

A transferên­cia de renda é apenas um dos elementos que podem nos ajudara superara pobreza. Pouco adianta garantir uma renda básica se a escola não funciona e 56% dos lares mais pobres não têm acesso à coleta de esgoto.

É por isso que a repactuaçã­o do país precisa ser muito mais ampla doque costumamos reconhecer. Oxalá acrise nos ajude a esquecer um pouco a querela política e pensar nas coisas que de fato importam.

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