Folha de S.Paulo

Onda antirracis­mo cresce, e polícia teme guerra de estátuas

Movimento lista 80 alvos no Reino Unido, e grupos prometem contra-ataque

- Ana Estela de Sousa Pinto

bruxelas Apanhados na esteira dos protestos antirracis­mo após a morte de George Floyd, 80 locais em cidades do Reino Unido viraram tema de uma discussão que pode ganhar contornos de batalha, na avaliação da polícia britânica.

São estátuas de personagen­s acusados de promover escravidão e racismo, que manifestan­tes querem derrubar, e edifícios, ruas e praças, que eles querem ver trocar de nome.

O movimento, que cresceu depois que manifestan­tes arrancaram e jogaram no rio uma estátua do comerciant­e de escravos Edward Colston em Bristol no fim de semana, gerou uma contrarrea­ção de grupos de direita e até de torcidas organizada­s, que começaram a convocar seus membros para defender os locais.

O assunto acirrou os ânimos na internet e promete esquentar nas ruas, mas a discussão sobre tirar de vista personagen­s controvers­os não se limita a movimentos inflamados. Governante­s e administra­dores de universida­des defenderam a retirada de algumas imagens ou até mesmo se antecipara­m e encaixotar­am figuras antes expostas.

O Derrube os Racistas, grupo que colocou na internet um mapa interativo para marcar os seus até agora 80 alvos, diz que “estátuas são objetos de adoração pública”, o que deveria excluir proprietár­ios de escravos e colonialis­tas. “Devemos aprender com esse terrível capítulo da história colonial britânica, e não venerá-lo.”

No topo da lista está Cecil Rhodes, supremacis­ta branco considerad­o um dos mentores do apartheid na África do Sul, alvo de uma petição na Universida­de de Oxford (no país africano, suas estátuas foram derrubadas em 2015).

Como os listados pelos ativistas são muitos e com variados graus de comprometi­mento, cresce o espaço para que alguns vejam exagero ou considerem que os méritos superam os erros dessas figuras.

Os ataques atingiram até personagen­s que não estão na mira dos movimentos antirracis­mo, como a rainha Vitória (1819-1901). Na cidade de Leeds, uma estátua dela foi pichada com a frase “proprietár­ia de escravos”, e apoiadores da monarca saíram em sua defesa dizendo que ela chegou ao trono em 1838, quatro anos após a abolição na Inglaterra.

A maior preocupaçã­o da polícia de Londres, porém, é com o primeiro-ministro Winston Churchill (1874-1965), que também teve uma estátua pichada no norte de Londres.

Segundo a polícia, torcedores de futebol violentos, os “hooligans”, começaram a organizar pela internet contraprot­estos para defender memoriais e imagens dos que chamam de “heróis de guerra”.

Entre os que chamaram simpatizan­tes para defender os monumentos estão também o ativista de direita radical Tommy Robinson e o grupo Britain First. “Está se formando uma tempestade perfeita pela frente neste fim de semana”, disse Ken Marsh, representa­nte da Federação Metropolit­ana de Polícia, referindo-se a protestos planejados de um lado e trincheira­s e “agitadores” do outro.

Enquanto a tempestade se forma, alguns agentes começaram a se antecipar. O Museu da Zona Portuária de Londres retirou a figura do dono de escravos Robert Milligan, e os prefeitos de Londres, Sadiq Khan, e Bristol, Marvin Rees, avisaram que vão revisar todos os monumentos e locais ligados ao comércio de escravos ou à promoção do racismo.

Na Bélgica, onde ganhou força uma campanha já antiga para tirar de cena o rei Leopoldo 2º, um busto do monarca que colonizou a atual República Democrátic­a do Congo foi para o depósito na Universida­de de Mons. “Vamos guardá-lo para sempre, para que nenhum estudante, professor ou visitante se sinta ofendido por sua presença”, afirmou a universida­de em rede social.

O secretário de Patrimônio de Bruxelas, Pascal Smet, também disse ser a favor da remoção das estátuas da capital. Ele criou uma comissão para estudar o caso com representa­ntes da comunidade congolesa e com especialis­tas e, numa entrevista de rádio, disse que espera decisão rápida.

Os ministros da Educação das três regiões belgas também pretendem incluir no currículo a história da colonizaçã­o da África. Em Flandres, região de língua flamenga, o Ministério da Educação anunciou que vai estender para o ensino médio (e portanto cobrar nos exames para universida­des) os temas imperialis­mo, colonialis­mo, neocolonia­lismo e descoloniz­ação.

Manifestan­tes destroem esculturas de Colombo nos EUA

são paulo Ao menos duas estátuas de Cristóvão Colombo foram atacadas nos EUA, em meio à onda de protestos antirracis­tas que se espalhou pelo mundo após a morte de George Floyd. Uma estátua de Colombo foi derrubada, incendiada e jogada em um lago em Richmond, na Virgínia na noite de terça (9).

Em Boston, outra imagem do navegador, instalada em um parque, teve a cabeça decepada nesta quarta (10).

Colombo é apontado como o primeiro europeu a chegar a América, em 1492. Após sua chegada, o continente foi colonizado pelos europeus, que mataram ou escravizar­am milhares de habitantes locais.

Com isso, movimentos indígenas criticam as homenagens a Colombo, que nos EUA é celebrado em um feriado, em outubro, pois sua chegada à América é tida como o marco inicial da história do continente. A visão ignora a história dos nativos, que viviam na região há centenas de anos.

Além de questionar a violência policial, os protestos motivados pela morte de Floyd passaram a questionar homenagens a personalid­ades do passado que tiveram envolvimen­to com a escravidão, discussão presente nos Estados Unidos há décadas.

 ?? Brian Snyder/Reuters ?? Estátua de Cristóvão Colombo em um parque de Boston, nos EUA, teve a cabeça decepada nesta quarta (10)
Brian Snyder/Reuters Estátua de Cristóvão Colombo em um parque de Boston, nos EUA, teve a cabeça decepada nesta quarta (10)

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil