‘As festas de rua e o fogo que nunca se apaga não serão como antes’
barcelona Dia #89 – Quarta, 10 de junho. Cena: a Catalunha anunciou que recompensará profissionais de saúde com até 1.350 euros (R$ 7.635) por seu trabalho durante a pandemia.
Um ovo que baila entre flores, mulas que cospem fogo e procissão de bonecos gigantes com figuras históricas e lendárias: assim é o Corpus Christi aqui.
Mas não neste ano. Excepcionalmente, as tradicionais festas católicas-folclóricas, que começam nesta quinta (11), acontecerão principalmente online.
Em Corpus pré-covídicos, zilhões de turistas costumavam se acotovelar para fotos diante das fontes de igrejas e monastérios, cobertas de flores, com o chafariz ligado —e um ovo oco dando saltos e piruetas sobre a coluna de água, para frisson das muitas crianças.
As teorias simbólicas-históricas sobre o ovo são muitas. Uma vincula o ritual a jogos praticados antigamente em pátios de casas muçulmanas; outras dizem que foi uma distração importada da nobreza napolitana. E há quem associe o perfeito enigma volteante a cálices, hóstias, fertilidade e promessas de abundância.
Não sou católica nem outra-ólica, mas é de grande interessância popular meditativa-kitsch ver o ovo bailar —neste ano, online.
Outra tradição, as “catifas”, ou tapetes de rua montados coletivamente, também foram suspensas e transformadas em atividades remotas, como concursos de pinturas e fotos.
Finalmente, ficarão para o ano que vem as procissões, mais ecumênicaspagãs-mágicas que puramente católicas, que costumam juntar milhares para ver “correfocs” (corridas de “diables” com fogos de artifício), bonecos gigantes (que sempre me lembram o Carnaval de Olinda) e figuras incendiárias do “bestiário” barcelonês.
A primeira festa de “Corpus” de que se tem registro em Barcelona data de 1320, 700 anos atrás —uma das primeiras da Europa. A tradição do ovo que baila, ou “l’ou com balla”, existe ao menos desde o século 15.
A Catalunha, como a Espanha inteira, tem uma sólida tradição de festas de rua, que costumam concentrarse exatamente nesta época de bom tempo, entre a primavera e o início do outono.
Na festa da véspera de São João, no dia 23, espera-se que Barcelona já esteja na fase 3 da desescalada, a última antes da tal Nova Normalidade de que se tem falado tanto aqui.
Nesta primeira grande festividade popular póspandemia, poderão reunirse grupos de até 20 pessoas, e festas poderão ter até 80 pessoas (em lugares fechados) ou 800 (abertos).
Em meio à precaução sanitária, uma tradição de inspiração pagã se manterá: a “flama (chama) del Canigó”, que percorre a Catalunha pela mão de voluntários, irá acender fogueiras até chegar a Barcelona, para repartir o fogo-que-nunca-se-apaga pela cidade.
Um ato de motivação coletiva especialmente significativo num momento em que vamos nos desfragmentando em tantos sentidos.