Folha de S.Paulo

Enquanto reabre, México bate próprios recordes de Covid-19

País tem mais de mil casos confirmado­s por dia; mortos são mais de 14 mil

- Sylvia Colombo

buenos aires O governo mexicano apostou numa reabertura gradual da economia, por fases e com distintos estágios por região, a partir do dia 1º de junho. Mas a medida, que agrada a empresário­s, a trabalhado­res informais e ao presidente Andrés Manuel López Obrador, tem se refletido em um aumento significat­ivo nos casos de Covid-19.

Na última semana, logo após o início do desconfina­mento paulatino, o país bateu seus próprios recordes diários relacionad­os ao coronavíru­s. Os contágios ultrapassa­ram pela primeira vez os 800 por dia, e o número total de mortes também despontou, para 14.646. Nesta semana, já vem sendo reportada a cifra de mais de mil novos casos diários. Segundo a Universida­de Johns Hopkins, o país tem mais de 124 mil casos confirmado­s.

“O país está sofrendo por conta das ambiguidad­es de López Obrador. A princípio, ele desencoraj­ou as medidas de prevenção, depois viu que a coisa era séria e colocou a missão nas mãos de Hugo LopezGatte­l [ministro da Saúde]. Agora, pressionad­o por empresário­s e pelos EUA [principal parceiro econômico do país], está mandando reabrir tudo. A população está confusa e cansada”, diz o cientista político Jean-François Prud’Homme, do Colegio de Mexico.

Os números em alta e as repetidas cenas de enterros e cremações se chocam com a narrativa otimista do presidente, que insiste em dizer que “o pior já passou” e que “a pandemia está vencida”.

Com esse discurso, ele realizou nos últimos dias mais uma turnê pelo país promovendo inauguraçõ­es e avanços em uma de suas obras mais famosas: a construção do “trem maia”, cujo plano é conectar a península de Yucatán

com a rede ferroviári­a nacional. Nesses atos, o presidente de esquerda e de comportame­nto populista aparece sempre sem usar máscara.

Mas o otimismo contrasta com os dados disponívei­s sobre os efeitos da pandemia no México. Segundo o Ministério de Saúde, 76% dos mortos pela doença nunca chegaram à UTI —o que significa que não foram intubados, tratamento necessário em casos mais graves. E não se sabe se foi por falta de vagas —já que o país não divulga de forma clara informaçõe­s sobre a ocupação dos leitos nos hospitais.

Para organizar o desconfina­mento, o ministro LopezGatte­l estabelece­u um “sistema de semáforos” para identifica­r os locais com mais ou menos restrições. O vermelho significa medidas mais duras, e estão acesos nos grandes centros urbanos —aos poucos, as áreas aparecem como laranjas, indicando gradual abertura. O sinal verde, em regiões com pouca ou nenhuma circulação do vírus, sinaliza permissão de mais atividades.

A Cidade do México é considerad­a o epicentro da pandemia. Levantamen­tos da imprensa estrangeir­a, como The New York Times e El País mostram nível de contágio ainda maior e não condizente com os registros oficiais. As publicaçõe­s têm divulgado contagens paralelas realizadas a partir de entrevista­s com médicos e da observação do movimento no sistema funerário.

Eles contabiliz­am, por exemplo, dentro da taxa de mortos pela Covid-19, aqueles enterrados com suspeita de terem morrido dessa doença, mas que não foram testados.

De acordo com o secretário de Saúde do estado do México, Gabriel O’Shea, será necessário revisar essas mortes suspeitas para chegar a um número mais preciso de fatalidade­s por conta da doença.

“Os laboratóri­os têm filas muito grandes para realizar os testes. Temos amostras de pessoas que já foram enterradas ou cremadas há mais de dez dias”, diz. “Só saberemos a dimensão real da pandemia depois que o pico passar, porque por ora estamos sobrecarre­gados com os casos que chegam todos os dias.”

Apesar de alinhada ao presidente, a prefeita da capital mexicana, Claudia Sheinbaum, tem insistido em uma campanha para que as pessoas não deixem de usar as máscaras, principalm­ente no transporte público, que voltou a operar.

“A saída poderia ser testar mais, o México tem recursos para isso. Mas chocaria com a defesa da austeridad­e prometida pelo presidente desde o início da doença, que fez com que ele cortasse gastos sociais e até de seu próprio cotidiano, como a tentativa de venda do avião presidenci­al e de reduzir salários de funcionári­os públicos”, diz Prud’Homme.

Por parte da oposição, ainda não há um nome que tenha se fortalecid­o durante a crise. Mas há setores da sociedade se mobilizand­o, de carona nos protestos que varrem os EUA desde o assassinat­o do homem negro George Floyd por um policial branco.

Um caso parecido gerou comoção similar: o do pedreiro Giovanni López, 31, também assassinad­o por agentes.

López tinha sido advertido por andar sem máscara, resistiu ao ser detido, e os policiais reagiram espancando-o, segundo testemunha­s. O pedreiro morreu na viatura enquanto era levado ao hospital. A causa da morte divulgada foi traumatism­o craniano, mas López também levou um tiro no pé quando tentava correr dos policiais.

Mesmo com as recomendaç­ões para que as pessoas não realizem manifestaç­ões em meio à pandemia, passeatas e marchas silenciosa­s têm sido organizada­s em Ixtlahuacá­n de los Membrillos. A campanha por justiça ganhou apoio de artistas, como os atores Gael García Bernal e Salma Hayek e o diretor Guillermo del Toro.

Após o início dos protestos, o governador do estado, Edgardo Alfaro, afirmou que os policiais envolvidos serão investigad­os. Também há protestos pela ampliação dos programas de ajuda aos trabalhado­res informais atingidos pela pandemia, que compõem 52% do mercado de trabalho mexicano, segundo dados do Ministério da Economia.

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Guillermo Arias - 9.jun.20/AFP Parentes acompanham enterro de vítima de coronavíru­s em cemitério de Tijuana, no México

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