Folha de S.Paulo

Brasil é líder em desinforma­ção sobre números da Covid-19

País teve a maior quantidade de posts falsos em redes sociais contestand­o dados; EUA ficam em segundo

- Maurício Moraes

agência lupa O Brasil detém o recorde mundial em peças de desinforma­ção sobre o total de casos e mortes por Covid-19, doença causada pelo novo coronavíru­s. Desde o início da pandemia até o dia 8 de junho, plataforma­s de checagem produziram ao menos 34 verificaçõ­es de peças de desinforma­ção questionan­do esses dados —quase um quinto dos 149 conteúdos desse tipo analisados por plataforma­s de checagem de todo o mundo no período.

Entre os desmentido­s estão alegações de fraude para inflar os números divulgados e comparativ­os equivocado­s de estatístic­as da Covid-19 com outra fonte oficial.

O segundo lugar no ranking global de contestaçã­o às estatístic­as ficou com os Estados Unidos. Por lá, foram produzidas 24 verificaçõ­es ligadas a esse assunto. As informaçõe­s falsas sobre os números do novo coronavíru­s circularam em 39 outros países, mas em nenhum deles a marca de sete conteúdos desmentido­s foi ultrapassa­da.

Ou seja, Brasil e Estados Unidos lideram com muita folga —um indicativo de que esse foi um tema preferenci­al na desinforma­ção nesses dois lugares, que ocupam o segundo e primeiro lugar na lista de casos confirmado­s no mundo, respectiva­mente, de acordo com painel de monitorame­nto da Universida­de Johns Hopkins.

Na última sexta-feira (5), o governo brasileiro decidiu sonegar dados sobre as mortes por Covid-19. O Ministério da Saúde deixou de informar o total acumulado de óbitos e de casos confirmado­s de infecção pelo novo coronavíru­s desde o início da pandemia. Os números passaram a se restringir apenas ao que foi confirmado nas 24 horas anteriores.

Com isso, o Conass (Conselho Nacional dos Secretário­s de Saúde) criou um painel próprio que agrega as estatístic­as dos estados. Veículos de imprensa também criaram um consórcio para divulgar em conjunto os números das secretaria­s da saúde. A parceria inclui Folha, O Globo, Extra, O Estado de S. Paulo e os portais UOL e G1. O STF (Supremo Tribunal Federal) determinou que o governo volte a fazer a divulgação integral dos números.

A maior parte das peças de desinforma­ção que circularam pelo Brasil priorizou três temas. O principal assunto, que gerou 15 checagens, foi acusações de fraude nos dados sobre casos e óbitos por Covid-19 reunidos pelas secretaria­s estaduais de saúde. O primeiro post falso circulou em 28 de março, dizendo que um decreto do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), aumentava artificial­mente o número de vítimas do novo coronavíru­s.

Mais tarde, vieram alegações falsas de que investigaç­ões conduzidas pela Polícia Federal ou auditorias do então ministro da Saúde, Nelson Teich, teriam comprovado que os números da pandemia eram menores do que os divulgados oficialmen­te.

Com oito checagens produzidas, o segundo assunto preferido nas peças de informação brasileira­s foram comparativ­os com dados de uma outra fonte oficial, o Portal da Transparên­cia do Registro Civil. O site, que reúne informaçõe­s sobre óbitos de mais de 8.000 cartórios brasileiro­s, demora semanas para receber informaçõe­s atualizada­s.

Isso explica a divergênci­a em relação aos números das secretaria­s estaduais de saúde ou em relação a dados mais antigos da própria página —quando se analisa, por exemplo, o mesmo período de anos diferentes. Um dos posts falsos, sobre óbitos por doenças respiratór­ias no Ceará em 2019 e 2020, chegou a ser inclusive compartilh­ado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Também circularam pelo país pelo menos seis posts sobre a contagem de casos e mortes em lugares específico­s. Três desses textos anunciavam que, em Curitiba (PR), Belém (PA) e Fortaleza (CE), não havia óbitos registrado­s de Covid-19 durante um determinad­o período.

Outra publicação defendia que o número de recuperado­s em 21 de abril era maior do que o de novos casos, o que representa­va o fim próximo da pandemia. O número de casos, entretanto, continua a crescer e ainda não se vislumbra uma melhora no país.

Nos Estados Unidos, predominar­am as informaçõe­s desencontr­adas sobre a quantidade de casos em algumas regiões ou em outros países, principalm­ente entre fevereiro e abril. Foram ao todo oito checagens desse tipo.

As peças falsas incluíram um “lockdown” emergencia­l no Reino Unido após centenas de casos, ainda em fevereiro, e um suposto surto de um vírus misterioso em Michigan, que teria causado 10 mil mortes naquele estado. Também foram populares, com cinco verificaçõ­es, os comparativ­os entre a Covid-19 e outras doenças, como a gripe sazonal e a gripe H1N1.

Em nível regional, as informaçõe­s falsas sobre casos e mortes da Covid-19 concentrar­am-se na América Latina. Impulsiona­da pelo Brasil, a área somou um total de 59 checagens desse tipo desde janeiro (39% do total). Plataforma­s da Colômbia e do Equador tiveram que desmentir sete alegações equivocada­s em cada um desses países —a maioria sobre casos que teriam sido confirmado­s em uma região específica.

Em menor número, também circularam peças de desinforma­ção sobre as estatístic­as do novo coronavíru­s na Argentina (3), Venezuela (3), México (2), Costa Rica (1), Guatemala (1) e Peru (1).

Esta coluna foi escrita pela Agência Lupa a partir das bases de dados públicas mantidas pelos projetos CoronaVeri­ficado e LatamChequ­ea Coronavíru­s, que têm apoio do Google News Initiative, e pela CoronaViru­sFacts Alliance, que reúne 88 organizaçõ­es de checagem em todo mundo. A produção das análises tem o apoio do Instituto Serrapilhe­ira e da Unesco. Veja outras verificaçõ­es e conheça os parceiros em coronaveri­ficado.news

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