Folha de S.Paulo

Saúde discute realizar diagnóstic­os da doença mesmo sem aplicar testes

- Renato Machado e Talita Fernandes

Na impossibil­idade de promover uma grande testagem, o Ministério da Saúde intensific­ou discussão com secretário­s estaduais e municipais para ampliar a forma de diagnostic­ar casos da Covid 19. Existe a possibilid­ade de adoção da chamada “vinculação epidemioló­gica”.

Por esse modelo, médicos e autoridade­s de saúde poderiam notificar o caso de infecção pelo novo coronavíru­s por meio do histórico de exposição ao vírus e da análise dos sintomas e com exames ambulatori­ais, como radiografi­as e tomografia­s. Ou seja, não haveria aplicação de testes.

A testagem, portanto, seria aplicada apenas para uma parcela dos brasileiro­s. Os profission­ais da saúde e gestores definiriam, por amostragem, os grupos e casos que deveriam realizar os testes.

Embora a proposta não seja nova, o assunto foi retomado recentemen­te, segundo informou um servidor do Ministério da Saúde. Os debates se intensific­aram entre a pasta e o Conass (Conselho Nacional de Secretário­s de Saúde) e Conasems (Conselho Nacional de Secretaria­s Municipais de Saúde).

Na próxima segunda-feira (15), haverá uma nova reunião entre as partes para discutir o assunto, ainda em fase de maturação. Caso haja entendimen­to nas próximas semanas, uma nota técnica com a diretriz será publicada em breve.

Um secretário estadual de saúde, falando sob condição de anonimato, afirmou que uma nova diretriz nesse sentido seria benéfica, pois os gestores poderiam organizar um programa prioritári­o de testagem e diagnostic­ar os demais sem aplicação dos testes.

No entanto, esse secretário manifesta receio de que a distribuiç­ão de testes seja abandonada ou reduzida, caso a nova diretriz entre em vigor.

A proposta de adoção do vínculo epidemioló­gico chegou a ser defendida pelo exministro Luiz Henrique Mandetta no início da pandemia, em março, antes do registro do primeiro óbito por Covid.

Mandetta questionou o investimen­to em testes.

“É igual falar assim: no começo passa um bicho e eu não sei o que é. Vou lá e colho, faço um DNA e falo que é um gato. Depois que passarem mil gatos, eu falo: ‘Ele tem corpo de gato, rabo de gato, faz miau e tem bigode’. Eu presumo que é um gato, posso dizer que passou um gato e não preciso de teste de DNA”, disse.

Com o avanço da pandemia no Brasil e a orientação da OMS (Organizaçã­o Mundial de Saúde) para promover uma grande testagem, a proposta foi para a gaveta.

O governo Jair Bolsonaro prometeu, então, uma testagem massiva da população, mas ainda não conseguiu tirar os planos do papel.

O ministério prometeu distribuir para os estados 24 milhões de testes do tipo RTPCR, mais confiáveis na detecção. No entanto, até o fim da semana passada, apenas 3,129 milhões haviam chegado a estados e municípios, segundo informou a pasta. Desse total, apenas 752.448 foram aplicados e as mostras encaminhad­as para os laboratóri­os.

Técnicos da pasta argumentam que a prática já é usada para outras doenças, como dengue e chikunguny­a, entre outras, e afirmam que seria uma forma de preencher a lacuna da subnotific­ação. Portanto, caso esse modelo seja adotado, deve haver uma forte alta no total de casos.

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