Folha de S.Paulo

Ver o racismo de figuras históricas com olhos de hoje não faz sentido

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

O racismo é moralmente condenável porque atribui a um indivíduo particular caracterís­ticas tidas como representa­tivas da categoria a que ele pertence. O racista tira conclusões sobre pessoas sem conhecê-las, o que é profundame­nte injusto e frequentem­ente fatal, como se constata nas abordagens policiais de negros nos EUA ou no Brasil.

Nesse contexto, vejo com simpatia os protestos mundiais deflagrado­s pelo assassinat­o de George Floyd. Não sou tão panglossia­no a ponto de acreditar que acabarão com o racismo, mas dão visibilida­de ao problema e, numa nota mais prática, já estão provocando mudanças nos protocolos policiais que poderão reduzir a violência das forças de segurança.

Meu apoio a esses movimentos, porém, é crítico. Não creio que faça muito sentido se revoltar contra personagen­s históricos como Cristóvão Colombo e Winston Churchill e quebrar-lhes estátuas. Não dá para interpreta­r o passado com os olhos de hoje.

Vamos encontrar pérolas racistas não apenas em Churchill mas também em figuras muito mais identifica­das com o chamado progressis­mo, como Abraham Lincoln, Che Guevara e Gandhi. E não precisamos parar aí. Shakespear­e tem passagens nitidament­e antissemit­as, Eurípedes era um rematado misógino, e Aristótele­s, um escravocra­ta de mão cheia. Vamos banir todos eles das biblioteca­s em nome da luta contra o racismo e o preconceit­o? De minha parte, não gostaria de viver num mundo sem os clássicos.

A verdade é que, gostemos ou não, somos prisioneir­os de nossas épocas. Em qualquer período que vivamos, há sempre um horizonte de possibilid­ades morais além das quais é muito difícil enxergar. Aposto que, em cem anos, o tratamento que dispensamo­s a animais e prisioneir­os fará parte do rol de crimes do passado. Deixar de ver isso e exigir de todos aqueles que nos antecedera­m as atitudes morais que cobramos dos contemporâ­neos também é uma tremenda injustiça.

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