Folha de S.Paulo

Chances para técnicos negros são bem menores que para estrangeir­os

Falta de oportunida­des para técnicos negros é muito maior do que para estrangeir­os

- Paulo Vinicius Coelho Jornalista, autor de “Escola Brasileira de Futebol”, cobriu seis Copas e oito finais de Champions

Vanderlei Luxemburgo responde com uma pergunta sobre se considerar branco ou negro: “Já viu pagodeiro branco?”. Não se mede nenhuma pessoa pela cor da pele e, por isso, ninguém deveria perguntar. Mas Luxemburgo deixa claro que é negro e você entenderá por que, nesse caso, isso importa.

Em outubro do ano passado, o jogo Fluminense x Bahia foi tratado como o único entre dois técnicos negros na Série A, Marcão e Roger Machado. Luxemburgo, porém, estava no Vasco.

O Brasileiro de 2019 também foi o da discussão sobre xenofobia, pela resistênci­a em aceitar o sucesso de Jorge Jesus, o segundo estrangeir­o campeão nacional —o paraguaio Volante venceu pelo Bahia em 1959.

O Brasil é mais xenófobo ou racista?

Dos 58 técnicos da seleção brasileira, só Vanderlei Luxemburgo e Gentil Cardoso são negros. Gentil dirigiu o Brasil no Sul-Americano Extra de 1959, quando a CBD enviou a seleção pernambuca­na.

A seleção teve o argentino Filpo Nuñez num amistoso contra o Uruguai, em 1965, e o uruguaio Ramón Platero, no Sul-Americano de 1924. Platero como treinador da seleção é uma descoberta do pesquisado­r Antônio Carlos Napoleão. Por anos, só se soube de Filpo, como único estrangeir­o.

Entre a xenofobia e o racismo, o estudo dos maiores clubes brasileiro­s não deixa dúvida. Dos 12 mais tradiciona­is, só Vasco, Botafogo e Cruzeiro tiveram número maior de treinadore­s negros do que estrangeir­os. Tratar o Brasil como um país que rejeita o forasteiro é desconhece­r nossa história. A do futebol, inclusive.

A missão do técnico estrangeir­o aqui sempre foi e sempre será a de trazer novas visões, para que se tenha quanto mais qualidade possível.

A falta de oportunida­de para negros é infinitame­nte maior. Neste país, ela está escancarad­a desde 1535, data da chegada do primeiro navio de escravos, de acordo com o livro “Escravidão” (2019), de Laurentino Gomes.

“Negros e pardos —classifica­ção que inclui mulatos e uma ampla gama de mestiços— representa­m 54% da população brasileira, mas sua participaç­ão entre os 10% mais pobres é muito maior, de 78%. Na faixa dos 1% mais ricos da população, a proporção inverte-se. Nesse restrito e privilegia­do grupo, somente 17,8% são descendent­es de africanos”, escreve Laurentino Gomes.

O país tem uma dívida com essa camada da população. No mundo da bola, é possível fazer observaçõe­s. Toda vez que alguém compara fotos das seleções de 1958 com as mais recentes, observa que o time ficou mais branco.

Não é verdade absoluta. Ficou mais miscigenad­o. Neymar é filho de negro com branca, Ronaldo Fenômeno também. Rivaldo, Ronaldinho, Cafu, Roberto Carlos, Gabriel Jesus, Firmino, todos são brasileiro­s.

“Sou filho de pai alemão, mas minha mãe era cabocla, meio negra ou meio índia, do interior de Vacaria, no Rio Grande do Sul”, diz Celso Roth. “Nunca me fiz esse questionam­ento. Se você disser que sou negro, eu sou. Se disser que sou branco, também, por causa de meu pai.”

Roth é um dos três únicos técnicos negros do Inter, que teve 14 estrangeir­os. Um dos cinco negros do Grêmio, que teve o mesmo número de estrangeir­os.

A conta segue com Corinthian­s (8 negros, 12 estrangeir­os), Palmeiras (3 e 16), São Paulo (2 e 15), Santos (6 e 17), Flamengo (10 e 11), Fluminense (10 e 15) e Atlético-MG (7 e 12).

Só muda com o Vasco (5 estrangeir­os e 12 negros), Botafogo (7 e 11) e Cruzeiro (4 e 8).

O intercâmbi­o de culturas e etnias faz mais do que o futebol melhorar. Faz o mundo ser melhor.

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