Folha de S.Paulo

Temor de nova leva do vírus e Fed atingem Bolsas

Avanço de casos nos EUA leva Dow Jones a cair 6,9%; papéis de empresas brasileira­s em NY e petróleo desabam

- Júlia Moura

O mercado financeiro nos Estados Unidos teve, nesta quinta-feira (11), o pior pregão desde março, em um dia marcado por retrações generaliza­das também na Ásia e na Europa.

As Bolsas foram arrastadas pelo discurso cauteloso do presidente do Fed (banco central americano), proferido na véspera, e pelos informes de contágio do novo coronavíru­s. A doença avança nos boletins americanos, ao mesmo tempo que muitos estados retomam as atividades.

Os índices acionários Dow Jones e S&P 500 caíram 6,9% e 5,9%, respectiva­mente, enquanto a Bolsa de tecnologia Nasdaq perdeu 5,3%. Na Europa, o índice Stoxx 600, que reúne as maiores companhias da região, recuou 4%.

As ações da Boeing desabaram 16,4%, contribuin­do para a queda dos índices, depois que a Spirit AeroSystem­s, principal fornecedor­a de peças para o 737, suspendeu contratos dos funcionári­os por 21 dias, interrompe­ndo a produção e colocando em risco as entregas previstas.

O índice VIX, que mede a volatilida­de do mercado com base no S&P 500 —conhecido como “índice de medo” pelo mercado—, atingiu 40 pontos (uma alta de 48% no dia). Em março, chegou ao recorde de 83 pontos. No ápice da volatilida­de da crise financeira de 2008-2009, o índice estava a 44 pontos.

Como foi feriado de Corpus Christi no Brasil, a Bolsa de Valores de São Paulo permaneceu fechada. Na Bolsa de Nova York, porém, os principais ETFs (fundos de índices) de ações brasileira­s derreteram.

O MSCI Brazil chegou a cair 9,7% no pregão, mas fechou em queda de 7,8%. O Brazil Titans 20 caiu 8,7%.

As ADRs (recibos de ações negociados nos EUA) da Vale recuaram 7%, e as da Petrobras, 9%.

As ADRs da Gol despencam 18,6%, e as da Azul, 21,8%.

A cotação do petróleo também sofreu perdas. O barril de Brent (referência internacio­nal) caiu 8,15%, a US$ 38,33. Também contribuiu o aumento dos estoques nos EUA.

O movimento negativo foi impulsiona­do pela realização de lucros de investidor­es, após fortes altas no mercado acionário nas últimas semanas. Na segunda (8), o índice S&P 500 apagou as perdas no ano, e, na quarta (10), a Nasdaq bateu o terceiro recorde histórico seguido.

Com a alta liquidez no mercado, após estímulos de governos e injeção de capital de bancos centrais e juros baixos em todo o mundo, gestores viram oportunida­de em ativos de risco, com preços baixos após a queda do mercado em março.

Esse fluxo de capital beneficiou inclusive o Brasil, levando o Ibovespa a voltar aos 97 mil pontos na segunda (8), uma alta de 54% desde a mínima de março. No ano, ainda há uma queda de 18%.

Em junho, a B3 registrou entrada líquida de R$ 3,4 bilhões em capital estrangeir­o no mercado de ações brasileiro —o primeiro mês positivo desde dezembro de 2019.

Também afetou o câmbio no Brasil. O dólar, que chegou a R$ 5,90, caiu para R$ 4,94.

Um dos indicadore­s que embasaram o cenário de recuperaçã­o pós-pandemia mais positivo, e que mais pesaram nessa onda de investimen­tos financeiro­s, foi a evolução no mercado de trabalho americano. Em maio, o desemprego nos EUA foi na contramão do previsto e caiu.

No entanto, o discurso do presidente do Fed, na quarta-feira (10), deu uma espécie de choque de realidade nos investidor­es. Ao comentar as estimativa­s para a economia americana e a decisão de manter os juros próximos de zero, Jerome Powell sinalizou que ainda é cedo para dizer se o pior já passou.

“Há chance de uma nova onda de contaminaç­ão e níveis de desemprego históricos. O mercado queria uma solução mágica, e, pelo contrário [Jerome], Powell [presidente do Fed, o BC dos EUA] foi muito realista [ao sinalizar que é cedo para dizer que o pior já passou para a economia] Simone Pasianotto, economista­chefe da Reag Investimen­tos

E o presidente do Fed minou justamente o pilar do otimismo ao questionar os dados sobre emprego.

“O mercado de trabalho pode ter atingido o fundo do poço em maio, mas não sabemos se é o caso ainda, vamos ver. Não vamos exagerar a reação a um único dado, seremos cuidadosos com qualquer conclusão. Não sabemos o que os dados de maio significam, se foi uma mudança sazonal ou se é algo maior que isso. Temos que esperar e ver, as coisas ainda são incertas”, disse Powell.

Ele também sinalizou que a recuperaçã­o da economia deve ser lenta, com expectativ­a de desemprego de 9,3% ao fim de 2020, de 6,5% em 2021 e 5,5% em 2022, mantendo o juro entre 0 e 0,25% ao ano até então.

“O relatório de maio foi uma surpresa agradável, e esperamosv­ermaisdado­scomoeste, mas acho que devemos ser honestos: é um longo caminho, e mais de 20 milhões de pessoas estão sem trabalho. [A recuperaçã­o] vai levar um tempo.”

Além do balde de água fria do Fed, entrou no radar dos investidor­es o risco de uma segunda onda de contágio da Covid-19 nos EUA. O país já conta com mais de 2 milhões de casos confirmado­s. Enquanto retomam as atividades, 21 estados reportam alta no número de infectados.

Apesar do avanço da doença, o secretário do Tesouro americano, Steven Mnuchin, anunciou que os EUA não fecharão a economia novamente em caso de uma segunda onda.

“Há chance de uma nova onda de contaminaç­ão e níveis de desemprego históricos. O mercado queria uma solução mágica, e, pelo contrário, Powell foi muito realista”, diz Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimen­tos.

Ela comenta ainda que, nos últimos dias, artigos e análises de renomados economista­s sobre a existência no mercado de ações acenderam o alerta para investidor­es.

O ambiente de desconfian­ça tende a se repetir na Bolsa brasileira nesta sexta (12), refletindo a queda dos ADRs em Nova York.

Da última vez que o mercado global ruiu em um feriado brasileiro, o Ibovespa caiu 7% no pregão seguinte, em 26 de fevereiro, volta de Carnaval —naquele momento, as Bolsas ocidentais passaram a contabiliz­ar as perdas com a chegada do vírus. O movimento deu início a uma sequência de fortes queda no índice, que o levaram a 63 mil pontos em março.

“Parece que o pior já passou, renovar mínima é pouco provável, por mais que tenhamos uma realização de lucro”, diz Eduardo Akira, sócio da Vero Investimen­tos.

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