Folha de S.Paulo

Presidente visa amarrar PSD e dá tiro de alerta a Ramos

Nomeação de Faria para Comunicaçõ­es traz um jogo de espertezas mútuas

- Igor Gielow

O presidente Jair Bolsonaro busca alguns objetivos distintos com a recriação do Ministério das Comunicaçõ­es.

Primeiro, amarrar o PSD a seu projeto de poder. Segundo, dar um tiro de advertênci­a ao general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo.

A escolha do deputado Fábio Faria (RN) simboliza tentativa número 1. Ele não é próximo do presidente do seu partido, Gilberto Kassab, mas para membros do governo sua presença traz o PSD para o time de Bolsonaro.

Eles ressaltam que a área das comunicaçõ­es, responsáve­l pelo gigantesco leilão das frequência­s 5G, sempre esteve no radar de Kassab, que foi ministro da área no governo Michel Temer (MDB).

O cacique discorda. “Isso não traz o partido para o governo, eu não acompanhei essa escolha pessoal do presidente”, afirmou, ressaltand­o que “o que eu puder fazer para ajudar, farei”.

Ao fim, é um jogo de espertezas. Bolsonaro espera que a amarração ajude a lhe cabalar os 37 votos do PSD na Câmara para seu seguro anti-impeachmen­t, já iniciado com a atração de partidos do centrão com cargos na Esplanada.

Quer fazer isso sem dizer que deve a Kassab. Do lado do pessedista, por sua vez, a presença no ministério com um nome não alinhado a si garante prestígio e acesso, mas com distanciam­ento público suficiente no caso de o governo esfarelar.

Quem não gostou do movimento foi o centrão, de quem Kassab sempre ressalta as diferenças de seu PSD. O grupo ainda não levou um ministério nas suas barganhas com Bolsonaro, apenas cargos polpudos em pastas como a da Educação.

Sobre o objetivo secundário, envolvendo Ramos, o jogo tem mais nuances.

De tempos em tempos, o general é bombardead­o pelos bolsonaris­tas do Congresso, que consideram sua atuação como articulado­r político fraca. Ele é visto como desafeto pelo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO).

Na nova rodada, deputados governista­s começaram a procurar nomes para apresentar a Bolsonaro como opção ao general, que é seu mais longevo amigo presente no Planalto.

Eles foram cadetes juntos, o que Ramos sempre lembra a interlocut­ores, esquecendo o destino dado a seu antecessor, o também general Carlos Alberto dos Santos Cruz e amigo de décadas do presidente.

Assim, a retirada da área de comunicaçã­o de governo de sua secretaria serve como uma advertênci­a a Ramos, que perde poder.

Já para o chefe da antiga Secom, Fábio Wajngarten, a confusão com o chefe nominal o retirou da linha de ataque direta que sofria de dois generais do Planalto, Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucio­nal) e Walter Braga Netto (Casa Civil).

Ambos trabalhava­m para isolar Wajngarten de decisões sobre propaganda. Numa reunião recente, convocada pelo então secretário, os dois vetaram sua presença.

O desastre de imagem da retirada de R$ 84 milhões do Bolsa Família para a Secom, abortada depois, só fez subir a pressão, ainda que aliados do secretário digam que ele foi vítima de um erro do Ministério da Economia.

A nova configuraç­ão é mais cômoda politicame­nte para o agora secretário-executivo das Comunicaçõ­es.

Wajngarten aproximou Silvio Santos, o sogro do novo ministro, de Bolsonaro. Sempre que pode, chama o empresário de “o maior comunicado­r do Brasil”, e é amigo de Faria há tempos.

Os questionam­entos já são previstos. A proximidad­e da dupla com o dono do SBT, em um governo cujo presidente sempre que pode fala que gostaria de cassar a licença da Rede Globo, fará todo movimento ser escrutinad­o.

Se a excisão da área da Secretaria de Governo se reverterá em maior liberdade de ação e verbas, é uma questão a ver. Do ponto de vista de orientação, dada a agressivid­ade oficial direcionad­a à mídia, parece improvável que alguma relação diferente seja estabeleci­da a partir do afastament­o físico do Planalto.

O presidente, afinal de contas, não faz distinção entre propaganda institucio­nal e mídia profission­al, sempre se queixando de que as ditas agendas positivas não repercutem na imprensa.

Além disso, Bolsonaro, de tempos em tempos, busca enviar um sinal público de que desagradou a área militar de seu governo, para evitar a imagem pública de tutela por parte dos generais.

Apenas o tempo, que anda escasso para o governo, demonstrar­á a efetividad­e da mudança. Como propaganda, como de costume no governo, foi a pior possível.

“Isso não traz o partido ao governo, não acompanhei essa escolha

Gilberto Kassab presidente do PSD

 ?? Pedro Ladeira - 22.abr.20/Folhapress ?? O ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, em entrevista em Brasília
Pedro Ladeira - 22.abr.20/Folhapress O ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, em entrevista em Brasília

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