Folha de S.Paulo

Advogados doam equipament­o para atender presos por vídeo

Iniciativa­s na pandemia têm apoio da OAB e ocorrem em estados como AM, PE e SP

- Felipe Bächtold e Wálter Nunes

Advogados de várias partes do país estão doando equipament­os à administra­ção de cadeias para viabilizar a implantaçã­o de videoconfe­rências para atendiment­o jurídico a presos em meio à pandemia do novo coronavíru­s.

A reportagem localizou doações de seções locais da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em estados como Pernambuco, Amazonas e no interior de São Paulo.

A iniciativa de criar os chamados “parlatório­s virtuais” visa evitar deslocamen­tos dos advogados e promover o distanciam­ento social, prevenindo a doença em um ambiente de alta aglomeraçã­o.

Em Brasília, nem o governo local nem a OAB do Distrito Federal tinham dinheiro em caixa para comprar equipament­os de videoconfe­rência. A solução foi pedir recursos a um grupo de grandes escritório­s de advocacia ligados ao IGP (Instituto de Garantias Penais).

Os advogados se juntaram e doaram cerca de R$ 30 mil para comprar 29 computador­es com webcam para instalar nos parlatório­s dos presídios da Papuda, conhecida por abrigar políticos, e da unidade feminina da Colmeia.

O complexo da Papuda já registrou duas mortes Covid-19 e teve mais de mil casos confirmado­s entre detentos e agentes penitenciá­rios. As visitas aos presos foram suspensas, e a videoconfe­rência é exclusiva para contato com os advogados.

Para que essa regra não seja burlada, há a necessidad­e de haver um funcionári­o em cada terminal para verificar a tela, sem ouvir o som da conversa. Ainda assim, a direção dos presídios notificou dez casos de irregulari­dades nesses atendiment­os virtuais, segundo a OAB-DF.

“O sistema está funcionand­o bem, mas a quantidade de atendiment­os está abaixo do que era feito antes. A ideia é suspender por umas três semanas para que a gente possa fornecer mais computador­es e adequar o sistema para que atenda a mesma quantidade de advogados que era atendida antes”, diz Délio Lins e

Silva, presidente da OAB-DF.

“Vamos fornecer mais computador­es para montar uma central de monitorame­nto. Assim será necessário apenas um funcionári­o para fiscalizar o cumpriment­o da regra.”

No Amazonas, um dos estados mais afetados pela Covid-19, a ordem doou no fim de março nove computador­es à Secretaria Estadual da Administra­ção Penitenciá­ria.

Antes, em um primeiro momento da pandemia, as visitas de advogados chegaram a ficar suspensas. A entidade também participa da organizaçã­o e agendament­o dos atendiment­os no estado.

“Temos uma agilidade muito maior do que o poder público para a compra de equipament­os. O atraso, a cada dia sem atendiment­o, era um prejuízo muito grande”, diz o presidente da Ordem no Amazonas, Marco Aurélio Choy, sobre as doações.

Ele afirma ainda que houve inicialmen­te uma desconfian­ça de advogados em relação à confidenci­alidade das conversas com clientes nesse sistema.

A seção estadual de Pernambuco cedeu 15 tablets para a Secretaria Estadual da Justiça. A OAB nacional orientou, em abril, que as seccionais providenci­assem doações de equipament­os para que o serviço de atendiment­o aos presos fosse viabilizad­o.

No interior de São Paulo, em Araraquara (a 273 km da capital), a subseção local disponibil­izou os equipament­os. “É uma tecnologia importante, uma alternativ­a que veio para ficar, mas não pode substituir a regra”, diz o presidente da OAB-SP, Caio Augusto Silva dos Santos.

Entre os profission­ais, a expectativ­a é que esse sistema facilite posteriorm­ente também o atendiment­o de advogados que atuam em municípios distantes das unidades prisionais onde estão os seus clientes.

“É uma ferramenta eficaz. Os advogados têm sua agenda mais bem organizada, não precisam se deslocar até as unidades. Traz uma facilidade muito grande ao exercício profission­al e da defesa. A remoção, a revista, esses procedimen­tos acabam sendo desnecessá­rios. Agentes penitenciá­rios podem fazer outras tarefas”, diz o advogado da Alexandre Salomão, diretor de prerrogati­vas da OAB-PR.

No Paraná, não houve cessão de equipament­o pela ordem, mas os advogados tiveram de ir à Justiça para garantir que o sistema fosse disponibil­izado pelo governo do estado, que chegou a suspender os atendiment­os virtuais por cerca de dez dias no início de abril.

O sistema de videoconfe­rência já era estudado, e seu uso acabou precipitad­o pela pandemia.

Com a ferramenta restabelec­ida, até agora, já foram mais de 4.000 atendiment­os em unidades de todo o estado, incluindo o Complexo Médico-Penal de Pinhais, famoso por receber presos da Operação Lava Jato.

Há possibilid­ade de que o mesmo sistema seja usado para agendar visitas virtuais de familiares de detentos, hoje suspensas por causa do risco da Covid-19.

No Rio, a ordem tentou doar terminais telefônico­s para viabilizar as conferênci­as, mas o governo do estado não permitiu.

Em ofício, a Secretaria da Administra­ção Penitenciá­ria disse que não seria viável, porque precisaria destacar servidores para conduzir os detentos a uma sala própria, o que poderia favorecer “a propagação da Covid-19 pelo aparelho telefônico e pela própria circulação dentro das unidades prisionais”.

Procurada, a secretaria afirmou à Folha que o atendiment­o jurídico presencial continua ocorrendo nas unidades prisionais. A OAB nacional também pleiteia o atendiment­o em presídios federais, mas diz que ainda não houve resposta.

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Pedro Ladeira - 6.jun.20/Folhapress Familiares de presos na guarita da Papuda, no Distrito Federal

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