Cortar salários no Congresso não daria nem R$ 0,25 de auxílio
Proposta de Bolsonaro, vista como provocação, foi feita para subsidiar prorrogação dos R$ 600 por mais 2 meses
O corte de salário de deputados e senadores cobrado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em uma provocação ao Congresso, não pagaria nem R$ 0,25 por mês aos beneficiários do auxílio emergencial do coronavírus.
Mesmo se os congressistas aceitassem zerar suas remunerações, a economia seria de só R$ 20,1 milhões mensais.
Esse valor representa menos de 0,04% dos R$ 50,9 bilhões gastos com cada parcela do benefício, que deverá ser estendido pelo governo. O percentual cobriria apenas R$ 0,24 para cada brasileiro atendido pelo auxílio.
A prorrogação desse programa, que figura entre as maiores despesas lançadas na pandemia, abriu uma disputa entre o Planalto e o Congresso.
Na terça-feira (9), Bolsonaro ironizou deputados e senadores que gostariam de manter o benefício no valor de R$ 600 para as próximas parcelas.
O presidente reforçou que a proposta do governo até o momento é fazer dois novos pagamentos, mas num patamar menor —de R$ 300.
“A ideia da equipe econômica, e minha também, é de duas parcelas de R$ 300. Tem parlamentar que quer R$ 600. Se tirar dos salários dos parlamentares, tudo bem, por mim eu pago até R$ 1.000”, afirmou.
Para alcançar esse valor, o governo precisaria desembolsar R$ 33,9 bilhões a mais por mês, além dos R$ 50,9 bilhões mensais já previstos na versão original do programa.
Procurado, o Palácio do Planalto não quis comentar o assunto. A Presidência não explicou por que Bolsonaro fez a cobrança e não detalhou como o governo pretende bancar a prorrogação.
Deputados e senadores recebem um salário bruto de R$ 33,8 mil por mês. Cada gabinete também tem uma verba para passagens aéreas, refeições, aluguel de carros, combustíveis e outras despesas. Há ainda a oferta de auxílio-moradia ou imóvel funcional pagos pelo Legislativo.
Bolsonaro, porém, mencionou apenas a remuneração.
A cúpula dos três Poderes se recusou a cortar seus salários durante a crise da Covid-19.
Essa decisão seria apenas um movimento emblemático, uma vez que o custo da remuneração dessas autoridades representa apenas uma fração do valor destinado às medidas econômicas contra os efeitos da pandemia.
Uma redução temporária da folha de pagamento de todos os servidores públicos também seria insuficiente para bancar a prorrogação do auxílio.
Após a declaração de Bolsonaro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), chegou a sugerir na terça um corte de 10% nos salários do funcionalismo para cobrir parte dessas despesas.
A economia mensal, nesse caso, seria de R$ 1,55 bilhão —ou 3% do orçamento mensal destinado ao pagamento do auxílio de R$ 600. Esse montante seria o suficiente para destinar apenas R$ 18,24 por mês por beneficiário. O cálculo leva em conta uma redução de todos os salários do funcionalismo federal, incluindo Executivo, Legislativo e Judiciário. Há, entretanto, pouca disposição no Congresso para aprovar um corte linear.
Se a discussão avançar, a tendência é que sejam poupados, por exemplo, servidores com remuneração abaixo de três salários mínimos (R$ 3.135).
“Se o debate for esse, não há nenhum problema de que todo o mundo participe para compensar a manutenção de dois meses, três meses, da renda mínima. Lembrando, claro que teremos de fazer um corte dos maiores salários”, afirmou Maia, que diz reconhecer a medida como simbólica.
Desde o início da pandemia, há cobranças pela redução nos gastos com funcionalismo como forma de contribuição num momento de crise.
Para tentar reduzir as críticas à criação de regras que permitem a redução de salários no setor privado, o governo e o Congresso foram pressionados, em março, a adotar medidas que também reduzam benesses e remunerações do funcionalismo público e de ocupantes de cargos eletivos durante a crise causada pelo coronavírus.
A ideia encontrou forte resistência, principalmente na cúpula do Judiciário.