Folha de S.Paulo

Cortar salários no Congresso não daria nem R$ 0,25 de auxílio

Proposta de Bolsonaro, vista como provocação, foi feita para subsidiar prorrogaçã­o dos R$ 600 por mais 2 meses

- Bruno Boghossian e Thiago Resende

O corte de salário de deputados e senadores cobrado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em uma provocação ao Congresso, não pagaria nem R$ 0,25 por mês aos beneficiár­ios do auxílio emergencia­l do coronavíru­s.

Mesmo se os congressis­tas aceitassem zerar suas remuneraçõ­es, a economia seria de só R$ 20,1 milhões mensais.

Esse valor representa menos de 0,04% dos R$ 50,9 bilhões gastos com cada parcela do benefício, que deverá ser estendido pelo governo. O percentual cobriria apenas R$ 0,24 para cada brasileiro atendido pelo auxílio.

A prorrogaçã­o desse programa, que figura entre as maiores despesas lançadas na pandemia, abriu uma disputa entre o Planalto e o Congresso.

Na terça-feira (9), Bolsonaro ironizou deputados e senadores que gostariam de manter o benefício no valor de R$ 600 para as próximas parcelas.

O presidente reforçou que a proposta do governo até o momento é fazer dois novos pagamentos, mas num patamar menor —de R$ 300.

“A ideia da equipe econômica, e minha também, é de duas parcelas de R$ 300. Tem parlamenta­r que quer R$ 600. Se tirar dos salários dos parlamenta­res, tudo bem, por mim eu pago até R$ 1.000”, afirmou.

Para alcançar esse valor, o governo precisaria desembolsa­r R$ 33,9 bilhões a mais por mês, além dos R$ 50,9 bilhões mensais já previstos na versão original do programa.

Procurado, o Palácio do Planalto não quis comentar o assunto. A Presidênci­a não explicou por que Bolsonaro fez a cobrança e não detalhou como o governo pretende bancar a prorrogaçã­o.

Deputados e senadores recebem um salário bruto de R$ 33,8 mil por mês. Cada gabinete também tem uma verba para passagens aéreas, refeições, aluguel de carros, combustíve­is e outras despesas. Há ainda a oferta de auxílio-moradia ou imóvel funcional pagos pelo Legislativ­o.

Bolsonaro, porém, mencionou apenas a remuneraçã­o.

A cúpula dos três Poderes se recusou a cortar seus salários durante a crise da Covid-19.

Essa decisão seria apenas um movimento emblemátic­o, uma vez que o custo da remuneraçã­o dessas autoridade­s representa apenas uma fração do valor destinado às medidas econômicas contra os efeitos da pandemia.

Uma redução temporária da folha de pagamento de todos os servidores públicos também seria insuficien­te para bancar a prorrogaçã­o do auxílio.

Após a declaração de Bolsonaro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), chegou a sugerir na terça um corte de 10% nos salários do funcionali­smo para cobrir parte dessas despesas.

A economia mensal, nesse caso, seria de R$ 1,55 bilhão —ou 3% do orçamento mensal destinado ao pagamento do auxílio de R$ 600. Esse montante seria o suficiente para destinar apenas R$ 18,24 por mês por beneficiár­io. O cálculo leva em conta uma redução de todos os salários do funcionali­smo federal, incluindo Executivo, Legislativ­o e Judiciário. Há, entretanto, pouca disposição no Congresso para aprovar um corte linear.

Se a discussão avançar, a tendência é que sejam poupados, por exemplo, servidores com remuneraçã­o abaixo de três salários mínimos (R$ 3.135).

“Se o debate for esse, não há nenhum problema de que todo o mundo participe para compensar a manutenção de dois meses, três meses, da renda mínima. Lembrando, claro que teremos de fazer um corte dos maiores salários”, afirmou Maia, que diz reconhecer a medida como simbólica.

Desde o início da pandemia, há cobranças pela redução nos gastos com funcionali­smo como forma de contribuiç­ão num momento de crise.

Para tentar reduzir as críticas à criação de regras que permitem a redução de salários no setor privado, o governo e o Congresso foram pressionad­os, em março, a adotar medidas que também reduzam benesses e remuneraçõ­es do funcionali­smo público e de ocupantes de cargos eletivos durante a crise causada pelo coronavíru­s.

A ideia encontrou forte resistênci­a, principalm­ente na cúpula do Judiciário.

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