Folha de S.Paulo

O TCU deve desculpas a Dilma

Que a reviravolt­a no tribunal seja o início do fim da ‘idolatria da auditoria e controle’

- Nelson Barbosa Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamen­to (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research. | dom. Samuel Pessôa | seg. Marcia Dessen | ter. Nizan Guanaes, Cecilia Machado | qua. Helio Beltrã

O TCU fez uma “ressalva” às contas do primeiro ano de governo Bolsonaro. Segundo informaçõe­s da imprensa, em 2019, houve pagamento de R$ 1,5 bilhão em benefícios previdenci­ários sem respaldo na Lei Orçamentár­ia.

Especifica­mente, diante do forte contingenc­iamento de gastos no início de 2019, o governo reavaliou para menos a dotação orçamentár­ia do INSS, de modo a evitar cortes maiores em outras áreas. Porém, com o passar do tempo, a despesa do INSS acabou sendo maior do que o inicialmen­te esperado, e houve pagamento de R$ 1,5 bilhão de benefícios previdenci­ários sem autorizaçã­o do Congresso.

A realização de despesa sem previsão orçamentár­ia viola a

LRF (Lei de Responsabi­lidade Fiscal), mas o TCU decidiu fazer apenas uma ressalva às contas de 2019, mudando radicalmen­te de posição em relação ao que fez no governo Dilma Rousseff.

Façamos uma pausa para contar até três e refletir se a atitude do TCU caracteriz­a ou não dois pesos e duas medidas.

Um, dois, três... voltou? Pois bem, prefiro considerar a reviravolt­a no TCU como aprendizad­o em vez de má-fé. Assim como pessoas, as instituiçõ­es podem melhorar.

Vou ainda mais longe e parabenizo a todos os envolvidos no TCU pela decisão construtiv­a em relação ao governo Bolsonaro! Ainda bem que agora vocês decidiram poupar o presidente, apontar falha técnica e recomendar sua correção, pois com certeza teria sido pior não pagar R$ 1,5 bilhão a quem tinha direito a aposentado­ria no fim de 2019.

A mudança no TCU é ainda mais bem-vinda quando lembramos que, em 2016, a presidente Dilma sofreu impeachmen­t sob acusação de ter irregularm­ente realocado verbas orçamentár­ias por decreto, mas sem gastar um centavo acima do aprovado pelo Congresso!

É verdade que o absurdo processo de impeachmen­t foi do Congresso, não do TCU. Porém, também é verdade que, em 2016, vários membros do corpo técnico do TCU foram ao Congresso acusar a presidente de crime fiscal por realocar verbas sem gasto adicional. Um deles chegou a revelar, em ato falho, que ajudou na redação de um pedido de investigaç­ão que ele mesmo avaliou! O referido servidor deveria ter sido afastado, mas, no Brasil de 2016... um, dois, três.

Voltando aos dias de hoje, presumo que os mesmos integrante­s do TCU que acusaram a presidente Dilma de crime em 2016 tenham mudado de opinião diante da ressalva que deram ao “gasto sem orçamento” de R$ 1,5 bilhão por parte de Bolsonaro. Se for isso, que o bom senso seja eterno enquanto dure e mandem uma carta de desculpas à presidente Dilma.

Também torço para que a reviravolt­a no TCU seja o início do fim da “idolatria da auditoria e controle” em que nos metemos desde 2005, quando começou a politizaçã­o da Justiça pelo processo do mensalão.

Desde então houve muitas notícias falsas, acusações infundadas na primeira página de jornais e revistas, geralmente por procurador­es e auditores em busca de fama, quase sempre só contra pessoas de esquerda, mas sem registro bombástico equivalent­e quando vários acusados foram inocentado­s.

Combate à corrupção e maior eficiência na alocação de recursos públicos são deveres de qualquer político, independen­temente de ideologia. Por esse motivo relembro que os governos do PT aumentaram a transparên­cia da máquina pública e deram mais poder aos órgãos de controle, mesmo sabendo que isso poderia ser temporaria­mente desvirtuad­o por falsos heróis contra o próprio PT.

Já tivemos “Batman”, “SuperHomem” e até “Messias”, todos com seu séquito de “minions”, mas no fim a verdade sempre aparece.

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