Folha de S.Paulo

Famílias negam Covid em causa da morte de parente

- Etel Frota

Nas últimas semanas, familiares de pessoas que podem ter morrido de Covid-19 vêm contestand­o o diagnóstic­o. As narrativas apontam para cenário de inconsistê­ncia nos protocolos, desinforma­ção, medo, disputas políticas locais e discrimina­ção social.

Em 13 de maio, Guarapuava (PR) informou que, atendendo à Secretaria de Saúde do Estado do Paraná e com base em resultado negativo de teste PCR, procedia à exclusão do óbito de Francisco Marcondes Ramos, 68, do boletim de mortes por Covid-19.

Francisco falecera em 21 de abril. Durante a internação, dois testes rápidos deram positivos para o novo coronavíru­s.

Entrou na estatístic­a como o primeiro óbito no município.

Na data do funeral, uma das filhas publicou no Facebook que “o velório foi normal”. “Não estamos em isolamento. Não temos nenhuma orientação.”

Seguiu-se na rede social uma discussão acalorada, com críticas à imprensa e comentário­s como “agora é tudo coronavíru­s”, “politicage­m e muito dinheiro por trás de tudo”.

Dois dias depois, o secretário de Saúde do município corroborou a inclusão do óbito como Covid, “encerrando a polêmica”, que, no entanto, perdurou ainda três semanas até o desmentido estadual.

Eli Cristine Ramos, 24, filha do aposentado, disse que, após o post, a família recebeu orientação e ficou em isolamento.

Todos testaram negativo.

Os testes PCR são mais eficazes se as amostras forem colhidas até o 5º dia do início dos sintomas, caindo para 40% de precisão após esse prazo. Na prática, um teste PCR positivo é definitivo. E o negativo não afasta o diagnóstic­o.

Foi com base em exame negativo, recebido pouco depois do sepultamen­to, que a família de Claudionam Nascimento conseguiu, no Pará, autorizaçã­o para a exumação do corpo e para fazer um velório.

Advogado recém-chegado de Manaus (AM) a Juruti (PA), Claudionam foi internado com sintomas sugestivos de Covid-19. Transferid­o para Santarém (PA), faleceu em 1º de abril. O funeral, no cemitério de Juruti, foi feito com a família a distância e o corpo em uma caixa de zinco lacrada. O segundo enterro ocorreu menos de 24 horas após o primeiro.

No Acre, Francisca Gomes, 73, foi internada com sintomas respiratór­ios no hospital de Feijó, onde morava. O teste rápido deu negativo. Com a piora, foi levada para Cruzeiro do Sul, polo regional a 278 km, onde faleceu em 21 de maio. Impedida de transladar o corpo para Feijó, a neta, com o resultado negativo do teste, contestou o hospital por enviar o caixão para enterro imediato.

O diretor clínico do hospital onde Francisca morreu esclareceu que há protocolo do município com o Ministério da Saúde que determina que não haverá translado de corpos no caso de óbitos pela pandemia.

Disse que o quadro da paciente era sugestivo da Covid-19.

As diretrizes da Anvisa afirmam que testes rápidos (IgM/ IgG), de sangue ou plasma, não têm valor diagnóstic­o (confirmaçã­o ou descarte). “Diversos fatores influencia­m os testes, tais como a sensibilid­ade/ especifici­dade e a condição do paciente (resposta imunológic­a)”, diz a norma.

Geizimara da Silva Gomes, 21, faleceu em 9 de abril, em Campo Mourão (PR). Tinha asma. Dias depois, diz a família, o resultado deu negativo.

A causa da morte é critério e responsabi­lidade do médico.

Entre mortos, feridos e enlutados, emoldurada por inconsistê­ncias e incertezas de toda ordem, a Covid-19 segue no Brasil sua trágica marcha.

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