Folha de S.Paulo

Olavo de Carvalho, eu te amo

Tocado pelo seu desabafo, resolvi lhe enfiar um punhado de afeto

- Renato Terra Roteirista e autor de ‘Diário da Dilma’. Dirigiu o documentár­io ‘Uma Noite em 67’

“Duvida da luz dos astros, de que o Sol tenha calor, duvida até da verdade, mas confia em meu amor” (“Hamlet”; ato 2, cena 2).

Olavo, meu feiticeiro, hoje amanheci tomado por um calor vigoroso. E, como se o desejo me pusesse o sangue em ebulição, caí de joelhos e te escrevo essas linhas em brasa. Não pude me concentrar em mais nada, só me restava antecipar a canícula para neutraliza­r os gélidos ventos da Virgínia.

Impossível conter a alma dentro do corpo depois de acompanhar o vídeo de teu desabafo. São poucos os heróis que se veem obrigados a derrubar governos por uma causa tão nobre. Não disponho de dinheiro, não. Mas formosura. Tampouco alço voos largos como o Zé Carioca. O que posso aqui, diante deste cenário desolador, é estender a mão em sinal de afeto.

Trago 15 tostões de alvíssaras para acalentar-te: por mais turbulenta­s que sejam as ondas, elas não impedirão Caronte de remar em direção a seu destino. Ergue essa cabeça, mete o pé e conclui tua jornada pelo Rio Branco. Olha firme para frente, nunca para o Orkut.

Confesso que lutei contra a ideia de acrescenta­r arestas de comiseraçã­o à imagem deste vetusto multiscien­te homão da porra. Resisti à famosa fábula chinesa do velho sábio que transformo­u seu gado numa vaquinha.

Mas todos hão de convir: há algo de podre no reino da Terra plana.

Peço que olhes para os céus, com as mãos espalmadas, e admires a beleza do gabinete de Órion. Verás que a posição do céu, neste momento, abre um trânsito de instabilid­ade. Há uma franca conspiraçã­o interestel­ar para derrubar-te. Por isso te envio em anexo um bichinho de pelúcia, umas pedras de ametista e um quinhão de afeto. Além do contato de uma especialis­ta em constelaçã­o familiar.

Peço que desças dessa solidão e espalhes sobre um chão de giz lápis de cera, papéis, tinta guache. Experiment­a, numa folha qualquer, desenhar um sol amarelo (redondo, de preferênci­a). Verás o quão solar é a iniciativa da terapia ocupaciona­l. “Mente vazia é oficina de Bolsonaro”, como se costuma dizer.

Ocupa-te, portanto, de calor. Dança. Canta. Cantando a gente manda a tristeza embora. Nunca estarás sozinho. “É sempre ousada a loucura dos grandes não vigiada” (ato 3, cena 1).

Não te esqueças: “Meus deuses são cabeças de bebês sem touca/ Era um momento sem medo e sem desejo/ Ele me deu um beijo na boca/ E eu correspond­i àquele beijo”.

 ?? Débora Gonzales ??
Débora Gonzales

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil