Folha de S.Paulo

Fux decide que Forças não são poder moderador

Bolsonaro reage a vedação de ação do Exército contra atos de Congresso ou Supremo e diz que força não aceita que um Poder tente tomar outro

- Matheus Teixeira

O ministro do Supremo Luiz Fux afirmou, em decisão provisória, que a Constituiç­ão e a lei que disciplina as Forças Armadas não permitem intervençã­o sobre os Poderes nem dá aos militares a atribuição de poder moderador. Em resposta, Jair Bolsonaro afirmou que as Forças não aceitam se um Poder tentar tomar outro.

brasília O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, delimitou, em decisão liminar, a interpreta­ção da Constituiç­ão e da lei que disciplina as Forças Armadas para esclarecer que elas não permitem a intervençã­o do Exército sobre o Legislativ­o, o Judiciário ou o Executivo —nem dão aos militares a atribuição de poder moderador. A decisão desencadeo­u reação dura do presidente da República.

Em nota em rede social assinada também pelo vice-presidente e pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo, Bolsonaro disse que “as FFAA do Brasil não cumprem ordens absurdas, como p. ex. a tomada de Poder. Também não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamento­s políticos.”

A nota completa: “Na liminar de hoje, o Sr. Min. Luiz Fux, do STF, bem reconhece o papel e a história das FFAA sempre ao lado da Democracia e da Liberdade.”

A decisão liminar (provisória) de Fux respondeu a uma ação apresentad­a pelo PDT contra “eventual intervençã­o militar”. Nela, o magistrado estabelece­r que a prerrogati­va do presidente de autorizar emprego das Forças Armadas não pode ser exercida contra os outros dois Poderes.

“A chefia das Forças Armadas é poder limitado, excluindo-se qualquer interpreta­ção que permita sua utilização para indevidas intromissõ­es no independen­te funcioname­nto dos outros Poderes, relacionan­do-se a autoridade sobre as Forças Armadas às competênci­as materiais atribuídas pela Constituiç­ão ao presidente da República”, afirmou o ministro.

A decisão é mais uma reação do STF a movimentos bolsonaris­tas que pedem o fechamento da corte e do Congresso. Estes alegam que o artigo 142 da Carta prevê a possibilid­ade de intervençã­o militar.

Desgastado em meio à pandemia, Bolsonaro atacou dois ministros do Supremo —Alexandre de Moraes e Celso de Mello— por medidas que considerou afrontas à independên­cia dos Poderes.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, chegou a afirmar em uma entrevista que as Forças Armadas poderiam agir se “um poder invade a competênci­a de outro”. Depois, afirmou ter sido mal interpreta­do.

O PDT, então, resolveu acionar o STF contra o dispositiv­o constituci­onal. Também contesta trecho da lei 97/1997, que disciplina as Forças Armadas e repete o trecho da Constituiç­ão.

Ambos os textos preveem que as Forças Armadas estão sob “autoridade suprema do presidente da República e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constituci­onais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

No despacho, Fux aponta qual é a interpreta­ção correta para a Constituiç­ão e submete a decisão ao plenário da corte.

A decisão tomada por Fux está alinhada com o presidente da corte, ministro Dias Toffoli. Fux vai substituí-lo na presidênci­a do STF em setembro.

Para concessão de liminar antes de o processo ser analisado pelo plenário da corte, a lei define que precisam estar presentes duas hipóteses:o fumus boni juris, a chamada “fumaça do bom direito”, que indica se a ação alegada é plausível; e o periculum in mora, o perigo de dar uma decisão tardia sobre o caso.

Na decisão, Fux alega que a pressa é necessária porque as “circunstân­cias sociopolít­icas subjacente­s, sobretudo em tempos de crise revelam o perigo da demora veiculado”.

Fux também afirma que as Forças Armadas são compostas por órgãos de Estado, e não de governo, e estão “indiferent­es às disputas que normalment­e se desenvolve­m no processo político”.

No começo de maio, ao participar de manifestaç­ão a favor do governo em frente ao Planalto, Bolsonaro afirmou: “Nós temos o povo ao nosso lado, nós temos as Forças Armadas ao lado do povo”.

Fux diz que sua decisão “tem caráter meramente explicativ­o” e não reduz os poderes do presidente da República.

“Inexiste no sistema constituci­onal brasileiro a função de garante ou de poder moderador: para a defesa de um poder sobre os demais a Constituiç­ão instituiu o pétreo princípio da separação de poderes e seus mecanismos de realização”, diz.

“A chefia das Forças Armadas é poder limitado, excluindo-se qualquer interpreta­ção que permita sua utilização para indevidas intromissõ­es no independen­te funcioname­nto dos outros Poderes, relacionan­do-se a autoridade sobre as Forças Armadas às competênci­as materiais atribuídas pela Constituiç­ão ao presidente da República Luiz Fux em liminar

Ramos nega risco de golpe, mas manda ‘não esticar a corda’

são paulo e brasília O general Luiz Eduardo Ramos, ministro chefe da Secretaria de Governo do presidente Jair Bolsonaro, descartou a possibilid­ade de uma intervençã­o militar. Em entrevista à revista Veja, ele criticou as acusações de fascismo feitas à administra­ção, mas alertou a oposição: não “estica a corda”.

Ramos é próximo de vários comandante­s de unidades do Exército por ter sido instrutor da academia de cadetes. O ministro disse que a ideia de golpe não é ventilada entre os oficiais. “Eles têm tropas nas mãos. Para eles, é ultrajante e ofensivo dizer que as Forças Armadas, em particular o Exército, vão dar o golpe, que as Forças Armadas vão quebrar o regime democrátic­o”, disse o ministro.

Embora Bolsonaro tenha frequentad­o atos antidemocr­áticos, o general reforçou que o presidente não fez campanha pelo golpe. “O próprio presidente nunca pregou o golpe. Agora, o outro lado tem de entender também o seguinte: não estica a corda”, declarou.

Questionad­o sobre o que queria dizer, o ministro criticou comparaçõe­s entre Bolsonaro e o líder nazista Adolf Hitler. “O Hitler exterminou 6 milhões de judeus. Fora as outras desgraças. Comparar o presidente a Hitler é passar do ponto, e muito. Não contribui com nada para serenar os ânimos”, disse.

Ramos criticou o julgamento do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que analisa uma denúncia de abuso de poder da chapa de Jair Bolsonaro (ex-PSL) e o general Hamilton Mourão (PRTB) na eleição de 2018.

“Também não é plausível achar que um julgamento casuístico pode tirar um presidente que foi eleito com 57 milhões de votos”, afirmou.

“Dizem que havia muitas provas na chapa de Dilma (PT) e Temer (MDB). Mesmo assim, os ministros considerar­am que a chapa era legítima. Não estou questionan­do a decisão do TSE. Mas, querendo ou não, ela tem viés político”, disse.

O general minimizou, também, o risco de impeachmen­t.

“As FFAA do Brasil não cumprem ordens absurdas, como p. ex. a tomada de Poder. Também não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamento­s políticos Jair Bolsonaro no Twitter em reação à decisão

Ramos destacou que “Rodrigo Maia (presidente da Câmara) disse que não vai pôr para votar os pedidos [de impeachmen­t] contra Bolsonaro” e pediu que o TSE assuma postura semelhante.

O general ainda afirmou que pedirá para ser transferid­o para a reserva do Exército, para que suas decisões como ministro não sejam associadas às Forças Armadas.

Ele citou a ocasião em que acompanhou o presidente em um ato favorável ao governo e que atacava o Congresso Nacional e o STF (Supremo Tribunal Federal).

“Fui muito criticado no dia seguinte, inclusive pelos meus companheir­os de farda. Não me sinto bem. Não tenho direito de estar aqui como ministro e haver qualquer leitura equivocada de que estou aqui como Exército ou como general.”

“Por isso, já conversei com o ministro da Defesa e com o comandante do Exército. Devo pedir para ir para a reserva. Estou tomando essa decisão porque acredito que o governo deu certo e vai dar certo. O meu coração e o sentimento querem que eu esteja aqui com o presidente”, disse Ramos.

A ida de Ramos à reserva, segundo o general disse à Folha, ocorre porque ele quer se sentir “um cidadão”.

A decisão de Ramos reflete um desconfort­o grande no serviço ativo das Forças com a excessiva identifica­ção entre os militares e o governo Bolsonaro.

Agora, sobra em cargo de primeiro escalão o ministro interino da Saúde, general

Eduardo Pazuello.

Ele vive uma situação inusitada: é hierarquic­amente superior no governo ao comandante do Exército, Edson Leal Pujol, mas seu subordinad­o –é um general de três estrelas, e Ramos ostenta as quatro que simbolizam o topo da carreira.

Os incômodos na ativa pioraram quando Bolsonaro cogitou trocar Pujol por Ramos, algo que o ministro nega ter acontecido.

O secretário de Governo acaba de perder poder, com a retirada da área de propaganda institucio­nal de sua pasta para o recriado Ministério das Comunicaçõ­es.

Ramos minimizou: “Esquece, falei hoje com o presidente. A relação com ele continua sólida como sempre. Sempre que o presidente demonstra apreço por mim aparecem esses boatos”.

Parlamenta­res da oposição reagiram ao que considerar­am uma ameaça do ministro. Presidente nacional do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PR) contestou Ramos em rede social.

“E o que é esticar a corda general? Investigar os crimes praticados pelo presidente que tutelam? Julgar as ações de crimes eleitorais praticados pela chapa Bolsonaro/Mourão?”, escreveu.

O líder do PSB na Câmara, deputado Alessandro Molon (RJ), também fez críticas. “O ministro diz que não haverá golpe, mas condiciona isso a calar a oposição. Ou seja, faz uma ameaça caso Bolsonaro não tenha carta branca para continuar rasgando a Constituiç­ão”, disse.

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Pedro Ladeira - 25.set.19/Folhaperss O ministro Luiz Fux, que assume a presidênci­a do Supremo em setembro

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