Fux decide que Forças não são poder moderador
Bolsonaro reage a vedação de ação do Exército contra atos de Congresso ou Supremo e diz que força não aceita que um Poder tente tomar outro
O ministro do Supremo Luiz Fux afirmou, em decisão provisória, que a Constituição e a lei que disciplina as Forças Armadas não permitem intervenção sobre os Poderes nem dá aos militares a atribuição de poder moderador. Em resposta, Jair Bolsonaro afirmou que as Forças não aceitam se um Poder tentar tomar outro.
brasília O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, delimitou, em decisão liminar, a interpretação da Constituição e da lei que disciplina as Forças Armadas para esclarecer que elas não permitem a intervenção do Exército sobre o Legislativo, o Judiciário ou o Executivo —nem dão aos militares a atribuição de poder moderador. A decisão desencadeou reação dura do presidente da República.
Em nota em rede social assinada também pelo vice-presidente e pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo, Bolsonaro disse que “as FFAA do Brasil não cumprem ordens absurdas, como p. ex. a tomada de Poder. Também não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos.”
A nota completa: “Na liminar de hoje, o Sr. Min. Luiz Fux, do STF, bem reconhece o papel e a história das FFAA sempre ao lado da Democracia e da Liberdade.”
A decisão liminar (provisória) de Fux respondeu a uma ação apresentada pelo PDT contra “eventual intervenção militar”. Nela, o magistrado estabelecer que a prerrogativa do presidente de autorizar emprego das Forças Armadas não pode ser exercida contra os outros dois Poderes.
“A chefia das Forças Armadas é poder limitado, excluindo-se qualquer interpretação que permita sua utilização para indevidas intromissões no independente funcionamento dos outros Poderes, relacionando-se a autoridade sobre as Forças Armadas às competências materiais atribuídas pela Constituição ao presidente da República”, afirmou o ministro.
A decisão é mais uma reação do STF a movimentos bolsonaristas que pedem o fechamento da corte e do Congresso. Estes alegam que o artigo 142 da Carta prevê a possibilidade de intervenção militar.
Desgastado em meio à pandemia, Bolsonaro atacou dois ministros do Supremo —Alexandre de Moraes e Celso de Mello— por medidas que considerou afrontas à independência dos Poderes.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, chegou a afirmar em uma entrevista que as Forças Armadas poderiam agir se “um poder invade a competência de outro”. Depois, afirmou ter sido mal interpretado.
O PDT, então, resolveu acionar o STF contra o dispositivo constitucional. Também contesta trecho da lei 97/1997, que disciplina as Forças Armadas e repete o trecho da Constituição.
Ambos os textos preveem que as Forças Armadas estão sob “autoridade suprema do presidente da República e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
No despacho, Fux aponta qual é a interpretação correta para a Constituição e submete a decisão ao plenário da corte.
A decisão tomada por Fux está alinhada com o presidente da corte, ministro Dias Toffoli. Fux vai substituí-lo na presidência do STF em setembro.
Para concessão de liminar antes de o processo ser analisado pelo plenário da corte, a lei define que precisam estar presentes duas hipóteses:o fumus boni juris, a chamada “fumaça do bom direito”, que indica se a ação alegada é plausível; e o periculum in mora, o perigo de dar uma decisão tardia sobre o caso.
Na decisão, Fux alega que a pressa é necessária porque as “circunstâncias sociopolíticas subjacentes, sobretudo em tempos de crise revelam o perigo da demora veiculado”.
Fux também afirma que as Forças Armadas são compostas por órgãos de Estado, e não de governo, e estão “indiferentes às disputas que normalmente se desenvolvem no processo político”.
No começo de maio, ao participar de manifestação a favor do governo em frente ao Planalto, Bolsonaro afirmou: “Nós temos o povo ao nosso lado, nós temos as Forças Armadas ao lado do povo”.
Fux diz que sua decisão “tem caráter meramente explicativo” e não reduz os poderes do presidente da República.
“Inexiste no sistema constitucional brasileiro a função de garante ou de poder moderador: para a defesa de um poder sobre os demais a Constituição instituiu o pétreo princípio da separação de poderes e seus mecanismos de realização”, diz.
“A chefia das Forças Armadas é poder limitado, excluindo-se qualquer interpretação que permita sua utilização para indevidas intromissões no independente funcionamento dos outros Poderes, relacionando-se a autoridade sobre as Forças Armadas às competências materiais atribuídas pela Constituição ao presidente da República Luiz Fux em liminar
Ramos nega risco de golpe, mas manda ‘não esticar a corda’
são paulo e brasília O general Luiz Eduardo Ramos, ministro chefe da Secretaria de Governo do presidente Jair Bolsonaro, descartou a possibilidade de uma intervenção militar. Em entrevista à revista Veja, ele criticou as acusações de fascismo feitas à administração, mas alertou a oposição: não “estica a corda”.
Ramos é próximo de vários comandantes de unidades do Exército por ter sido instrutor da academia de cadetes. O ministro disse que a ideia de golpe não é ventilada entre os oficiais. “Eles têm tropas nas mãos. Para eles, é ultrajante e ofensivo dizer que as Forças Armadas, em particular o Exército, vão dar o golpe, que as Forças Armadas vão quebrar o regime democrático”, disse o ministro.
Embora Bolsonaro tenha frequentado atos antidemocráticos, o general reforçou que o presidente não fez campanha pelo golpe. “O próprio presidente nunca pregou o golpe. Agora, o outro lado tem de entender também o seguinte: não estica a corda”, declarou.
Questionado sobre o que queria dizer, o ministro criticou comparações entre Bolsonaro e o líder nazista Adolf Hitler. “O Hitler exterminou 6 milhões de judeus. Fora as outras desgraças. Comparar o presidente a Hitler é passar do ponto, e muito. Não contribui com nada para serenar os ânimos”, disse.
Ramos criticou o julgamento do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que analisa uma denúncia de abuso de poder da chapa de Jair Bolsonaro (ex-PSL) e o general Hamilton Mourão (PRTB) na eleição de 2018.
“Também não é plausível achar que um julgamento casuístico pode tirar um presidente que foi eleito com 57 milhões de votos”, afirmou.
“Dizem que havia muitas provas na chapa de Dilma (PT) e Temer (MDB). Mesmo assim, os ministros consideraram que a chapa era legítima. Não estou questionando a decisão do TSE. Mas, querendo ou não, ela tem viés político”, disse.
O general minimizou, também, o risco de impeachment.
“As FFAA do Brasil não cumprem ordens absurdas, como p. ex. a tomada de Poder. Também não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos Jair Bolsonaro no Twitter em reação à decisão
Ramos destacou que “Rodrigo Maia (presidente da Câmara) disse que não vai pôr para votar os pedidos [de impeachment] contra Bolsonaro” e pediu que o TSE assuma postura semelhante.
O general ainda afirmou que pedirá para ser transferido para a reserva do Exército, para que suas decisões como ministro não sejam associadas às Forças Armadas.
Ele citou a ocasião em que acompanhou o presidente em um ato favorável ao governo e que atacava o Congresso Nacional e o STF (Supremo Tribunal Federal).
“Fui muito criticado no dia seguinte, inclusive pelos meus companheiros de farda. Não me sinto bem. Não tenho direito de estar aqui como ministro e haver qualquer leitura equivocada de que estou aqui como Exército ou como general.”
“Por isso, já conversei com o ministro da Defesa e com o comandante do Exército. Devo pedir para ir para a reserva. Estou tomando essa decisão porque acredito que o governo deu certo e vai dar certo. O meu coração e o sentimento querem que eu esteja aqui com o presidente”, disse Ramos.
A ida de Ramos à reserva, segundo o general disse à Folha, ocorre porque ele quer se sentir “um cidadão”.
A decisão de Ramos reflete um desconforto grande no serviço ativo das Forças com a excessiva identificação entre os militares e o governo Bolsonaro.
Agora, sobra em cargo de primeiro escalão o ministro interino da Saúde, general
Eduardo Pazuello.
Ele vive uma situação inusitada: é hierarquicamente superior no governo ao comandante do Exército, Edson Leal Pujol, mas seu subordinado –é um general de três estrelas, e Ramos ostenta as quatro que simbolizam o topo da carreira.
Os incômodos na ativa pioraram quando Bolsonaro cogitou trocar Pujol por Ramos, algo que o ministro nega ter acontecido.
O secretário de Governo acaba de perder poder, com a retirada da área de propaganda institucional de sua pasta para o recriado Ministério das Comunicações.
Ramos minimizou: “Esquece, falei hoje com o presidente. A relação com ele continua sólida como sempre. Sempre que o presidente demonstra apreço por mim aparecem esses boatos”.
Parlamentares da oposição reagiram ao que consideraram uma ameaça do ministro. Presidente nacional do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PR) contestou Ramos em rede social.
“E o que é esticar a corda general? Investigar os crimes praticados pelo presidente que tutelam? Julgar as ações de crimes eleitorais praticados pela chapa Bolsonaro/Mourão?”, escreveu.
O líder do PSB na Câmara, deputado Alessandro Molon (RJ), também fez críticas. “O ministro diz que não haverá golpe, mas condiciona isso a calar a oposição. Ou seja, faz uma ameaça caso Bolsonaro não tenha carta branca para continuar rasgando a Constituição”, disse.