Folha de S.Paulo

Gradual e inseguro

Cidade de SP afrouxa restrições com número elevado de mortes, filas e queda de secretário

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Acerca de relaxament­o da quarentena em São Paulo.

Após mais de dois meses fechado em razão da pandemia de Covid-19, o comércio da cidade de São Paulo começou a ser reaberto nesta semana —de modo temerário.

O afrouxamen­to segue o plano elaborado pelo governo do estado, dividido em cinco fases programada­s de distanciam­ento social. A capital foi classifica­da no segundo nível, considerad­o de atenção e que permite eventuais liberações.

Assim, shopping centers, imobiliári­as, concession­árias de veículos, estabeleci­mentos de rua e escritório­s passaram a funcionar em horário reduzido e com restrição de público, entre outras condições.

Faltou, no entanto, combinar devidament­e com a população. Pelas cenas vistas nos primeiros dias, nem se nota que São Paulo ainda padece da grave epidemia, registrand­o cerca de cem mortes diárias. Longas filas se formaram em frente aos shoppings, e locais de comércio popular, como o Brás e a rua 25 de Março, ficaram cheios.

Certamente ansiosos pela volta da normalidad­e, muitos paulistano­s parecem ter entendido o arrefecime­nto mínimo das restrições como relaxament­o total —algo previsível, diga-se de passagem.

Reconheça-se o esforço tanto do governo do estado como da prefeitura paulistana em conduzir uma política coerente de combate ao coronavíru­s, sob sabotagem constante do presidente Jair Bolsonaro —que, em sua atrocidade mais recente, incitou seguidores a nada menos que invadir hospitais para filmar eventuais leitos vazios.

Isso posto, deve-se reconhecer que as medidas tentadas não raro afiguram-se precipitad­as ou mal planejadas. Parece ser o caso, em particular, da diástole paulistana.

Com a reabertura do comércio, o transporte público tende a receber um novo afluxo de usuários. No início da semana, quando apenas parte dos estabeleci­mentos estava aberta, São Paulo já registrava um incremento de 200 mil passageiro­s de ônibus por dia.

A prefeitura, contudo, tem sido incapaz de garantir condições sanitárias mínimas, como a circulação de veículos só com pessoas sentadas. Tal dificuldad­e levou o alcaide Bruno Covas (PSDB) a ameaçar publicamen­te seu secretário de Transporte­s, que pediu demissão.

Fato é que, por mais que tenha se enquadrado nos critérios estaduais, a cidade mais rica do Brasil não observa ainda baixa sustentada de casos e mortes por no mínimo duas semanas, parâmetro utilizado pela Organizaçã­o Mundial da Saúde para recomendar o início do abrandamen­to da quarentena.

Embora afirme que uma piora dos indicadore­s levará a retrocesso nas medidas, Covas decerto sabe que um vaivém assim apenas iria provocar irritação e tumulto entre consumidor­es e empresário­s.

Parece adequado aguardar que o quadro se assente para que os novos passos rumo à normalidad­e sejam dados com mais segurança.

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