Folha de S.Paulo

O parque dos enjeitados

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

são paulo Alguns leitores criticaram minha coluna de sexta-feira (12/6) sobre racismo e a derrubada de estátuas, afirmando que existe uma diferença entre apagar a história e deixar de celebrar certas figuras à luz de mudanças nos valores da sociedade. A segunda atitude, ao contrário da primeira, é defensável.

Não poderia concordar mais. Quem se der ao trabalho de voltar a meu escrito verá que tomei o cuidado de não defender figuras como Edward Colston, que parece ter sido principalm­ente um traficante de escravos que enriqueceu e fez caridade, ou os generais confederad­os, mencionand­o só Colombo e Churchill.

Nenhum dos dois entrou para o clube dos heróis estatuávei­s pelas ideias que defenderam, mas por feitos mais específico­s, respectiva­mente a “descoberta” da América e a liderança dos britânicos durante a Segunda Guerra.

Aliás, se quisermos motivos para criticar Churchill, há faltas mais graves do que falas racistas e atitudes colonialis­tas. Ele é um dos principais responsáve­is pelos bombardeio­s aliados sobre Dresden, que deixaram dezenas de milhares de mortos. A cidade alemã não tinha alvos militares ou industriai­s muito relevantes. O objetivo dos ataques seria abalar o moral do inimigo.

Juízos éticos à parte, a determinaç­ão de Churchill foi vital para a derrota dos nazistas, um feito histórico que decididame­nte merece celebração. Pelo menos em algum grau, é preciso separar as realizaçõe­s das pessoas de julgamento­s sobre sua biografia.

E quanto a Colston e os generais confederad­os? Aqui, o caso para retirá-los do panteão me parece mais persuasivo. Mesmo assim, melhor do que derrubar estátuas, o que configura destruição de patrimônio público, é reuni-las num museu ou parque dos enjeitados onde se possa contar a história de sua ascensão e queda, de modo que as próximas gerações aprendam alguma coisa —talvez até a lição de que, olhando de perto, não existem heróis.

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