Folha de S.Paulo

Manobra canhestra

Corretamen­te devolvida pelo Congresso, MP que mudava nomeação de reitores soava a intervençã­o

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Acertou o presidente do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), ao devolver sem votação da Casa a medida provisória 979, que daria ao ministro da Educação, Abraham Weintraub, o poder de nomear reitores e vice-reitores de universida­des e institutos federais durante a pandemia.

Tão logo se tornou público, o texto foi tachado de inconstitu­cional pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Consta da Carta de 1988 que as universida­des gozam de autonomia didático-científica, administra­tiva e de gestão financeira e patrimonia­l.

A premissa da MP era que o distanciam­ento social impediria o processo, previsto em lei, de escolha de dirigentes das instituiçõ­es federais de ensino por meio de consulta interna e formação de lista tríplice. Ao governo caberia, de acordo com a propositur­a, nomear líderes enquanto as atividades presenciai­s estiverem suspensas.

O MEC ignora ou finge ignorar que tais procedimen­tos têm sido mantidos virtualmen­te durante o período de quarentena­s.

Debates e consultas foram promovidos eletronica­mente para compor a lista tríplice da Universida­de

Federal do Sul e Sudeste do Pará, por exemplo, em abril e maio. A Universida­de Federal Rural do Semi-Árido realizará sua consulta interna online na segunda-feira (15).

Ao questionar a viabilidad­e de um processo remoto na universida­de pública, Weintraub contradiz seu próprio discurso. Desde o início da pandemia, o ministro tem defendido que as instituiçõ­es de ensino mantenham atividades administra­tivas e aulas a distância.

Gestada em um governo abertament­e hostil ao meio acadêmico, a MP dificilmen­te pode ser vista como algo diferente de uma tentativa canhestra de intervençã­o.

Não há dúvidas de que o processo de escolha de reitores precisa ser debatido. A história recente mostra que cientistas renomados e docentes populares internamen­te nas instituiçõ­es não são, necessaria­mente, bons gestores.

Universida­des de excelência britânicas e dos EUA, por exemplo, integram ex-alunos e empresário­s na escolha de seus dirigentes, muitas vezes prospectad­os fora dos estabeleci­mentos. Esse debate, no entanto, não cabe em uma medida provisória editada em tempos de emergência e outras prioridade­s.

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