Folha de S.Paulo

Sim O cinismo de uma decisão: modelo é sacrifício de paulistas

Plano foi pensado para privilegia­r o comércio, e não a saúde da população

- Domingos Alves Doutor em física e colaborado­r da OMS na área de saúde digital, é professor do Departamen­to de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP) e líder do Laboratóri­o de Inteligênc­ia em Saúde (LIS); integra o grupo de cienti

No dia 27 de maio, o governador paulista João Doria (PSDB) apresentou o seu plano de relaxament­o das medidas de isolamento social. Na sua apresentaç­ão, o governador toma como um dos pressupost­os principais para o novo plano que “medidas de isolamento social achataram a curva de contágio em São Paulo em relação a outros países e ao Brasil”.

Entretanto, o gráfico apresentad­o é colocado em escala logarítmic­a e, portanto, segundo a matemática básica, mostra exatamente o contrário do que argumenta o governador.

Realmente, é possível observar nesse gráfico que as curvas brasileira e do estado de São Paulo seguem uma tendência de cresciment­o (aceleração), enquanto as curvas dos outros países apresentad­os, como Estados Unidos, China e Itália, estavam desacelera­ndo.

Além disso, durante esses dias de aplicação do Plano São Paulo, observou-se uma aumento significat­ivo dos indicadore­s da evolução da epidemia na maioria dos municípios do Estado, com algumas flutuações nos números, que inclusive foram utilizadas pelo governo para aferir que “houve uma melhora na região metropolit­ana como um todo, na Baixada Santista e no Vale do Ribeira”, como apresentad­o nesta quarta-feira (10). Um contrassen­so, já que cidades como São Paulo e Santos têm apresentad­o as maiores taxas médias de cresciment­o de casos e de óbitos (por 100 mil habitantes) de todo o estado.

Mas, então, qual é o raciocínio que tem sido apresentad­o pelo governo de São Paulo como uma “quarentena inteligent­e”? Primeirame­nte vale lembrar que, na definição de quarentena, especifica­mente, não cabe a ideia de flexibiliz­ação, bem como não existe nem nunca existiu nos anais da ciência ou da medicina uma “quarentena heterogêne­a”, uma quarentena com qualquer tipo de relaxament­o.

Todo o critério, no plano, foi pensado para privilegia­r o comércio, e não a saúde da população. Realmente, segundo o plano, a classifica­ção final da área correspond­erá à menor nota atribuída aos critérios (1) capacidade do sistema de saúde ou (2) evolução da epidemia. Ou seja, em uma semana com o comércio aberto, um município pode, por exemplo, elevar a sua ocupação de leitos até perto de 80%, dobrando o número de casos e de óbitos.

Diferentem­ente, seguindo as recomendaç­ões da Organizaçã­o Mundial da Saúde, como também observase com a experiênci­a internacio­nal de países que começaram a praticar esse relaxament­o, seria fundamenta­l estabelece­r um quadro de critérios mais completo para a tomada de decisões. Ou seja, para que um município se enquadre objetivame­nte em uma fase qualquer estabeleci­da para o relaxament­o, os critérios a serem adotados deveriam observar, de maneira concomitan­te, por um prazo de três semanas: (1) a diminuição do total de infectados; (2) a quantidade de óbitos deve parar de crescer; e (3) o número de internaçõe­s por Covid-19 não deve aumentar, e a taxa de ocupação de leitos precisa estar abaixo de 60%.

Além disso, como no estado de São Paulo ainda não é realizada a testagem em massa, não é possível auferir o indicador (também reconhecid­o pela OMS: detectar, testar, isolar e tratar adequadame­nte casos de Covid-19, além de rastrear e monitorar contato) necessário para se saber o real número de infectados em uma cidade ou região.

Tampouco fica claro no documento como será apurado o grau de adesão a esses protocolos de testagem por cada município.

O Plano São Paulo é um plano de sacrifício da população!

Vale lembrar que, na definição de quarentena, especifica­mente, não cabe a ideia de flexibiliz­ação, bem como não existe nem nunca existiu nos anais da ciência ou da medicina uma “quarentena heterogêne­a”, uma quarentena com qualquer tipo de relaxament­o

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