Fundão eleitoral vai injetar R$ 43 milhões em partidos ‘sem voto’
Dez legendas terão direito a verba com recursos públicos mesmo sem cumprir a chamada cláusula de barreira
brasília A divulgação nesta semana pelo Tribunal Superior Eleitoral dos valores oficiais do fundo eleitoral para este ano confirmou que os antagonistas PT e PSL terão as maiores fatias, quase R$ 400 milhões, juntos. Mas o dado oficial também trouxe alento à “parte de baixo da tabela”. Dez partidos com baixíssimo desempenho nas urnas terão um naco de R$ 43 milhões, somados.
Nos últimos anos, o Congresso se movimentou em algumas frentes nas questões eleitorais —duas podem ser consideradas contraditórias.
Em 2017, criou o fundo eleitoral para injeção de dinheiro público nas campanhas, uma reação à proibição pelo Supremo Tribunal Federal, dois anos antes, do financiamentos empresarial aos candidatos. Em 2020, o fundo distribuirá R$ 2,035 bilhões aos 33 partidos existentes no país.
Em outra frente, o Congresso aprovou a cláusula de barreira, para extinguir legendas de aluguel ou que tenham desempenho irrisório nas urnas. As metas para as siglas começaram em 2018 e vão endurecer nas eleições seguintes.
No primeiro teste, 14 siglas não atingiram o desempenho mínimo —1,5% dos votos nacionais para deputado federal, entre outras exigências—, entre elas o PC do B e a Rede.
Os comunistas conseguiram escapar da degola incorporando o PPL, ação feita por outras legendas. Já a Rede, de Marina Silva, não passou no teste. A legislação retirou dela e de outras nove siglas o acesso a propaganda partidária na TV e o dinheiro do Fundo Partidário, que é, ao lado do fundo eleitoral, a principal fonte de recursos dos partidos.
Mas os partidos “sem voto” continuaram a ter direito ao fundo eleitoral, por decisão do Congresso.
Especialistas ouvidos pela Folha defendem essa decisão, argumentando que a lógica partidária se difere da lógica eleitoral.
“São duas coisas diferentes. O Fundo Partidário é para manutenção e subsistência dos partidos políticos, então eles recebem dinheiro público para se manter”, afirma o exministro do Tribunal Superior Eleitoral Henrique Neves.
“O fundo especial de financiamento de campanha [fundo eleitoral] tem outro pressuposto, é o de poder fazer campanha eleitoral. Aí, mesmo que a pessoa seja pequena, ela tem que ter o mínimo de chance de fazer a campanha eleitoral. Por isso que são duas divisões diferentes”, diz.
A advogada Fátima Miranda, membro consultora da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, também diz haver lógicas distintas.
“O Fundo Especial de Financiamento das Campanhas nasceu como uma alternativa à decisão do STF de considerar inconstitucional o uso de recursos de empresas nas eleições, além das diversas medidas restritivas às doações de pessoas físicas.”
“Seguindo essa linha de entendimento, esse recurso seria vital para a manutenção mínima da atividade eleitoral. Se os partido pequenos atendem os critérios dispostos na lei, não há empecilho que recebam os valores do fundo eleitoral”, afirma Fátima.
Para ela, a cláusula de barreira visa “criar condições para que ocorra uma diminuição da quantidade de agremiações em longo prazo, não sendo esse um objetivo para essa ou a próxima eleição”.
Os dez partidos que receberão as menores fatias do fundo são Rede, PMN, PTC, DC, PRTB (do vice-presidente Hamilton Mourão), PSTU, PCB, PCO, PMB e UP.
Desses, a Rede terá acesso à maior fatia do fundão e receberá R$ 20,4 milhões.
O PMN vem logo atrás, com R$ 5,8 milhões, seguido do PTC, com R$ 5,6 milhões, e do DC, com R$ 4 milhões. As outras cinco legendas receberão R$ 1,23 milhão.
Os campeões da verba, que tiveram os melhores desempenhos nas eleições para a Câmara em 2018, são PT (R$ 200,9 milhões) e PSL (R$ 193,7 milhões), partido pelo qual Jair Bolsonaro se elegeu.
Tendo em suas fileiras vários empresários, o partido Novo rejeitou o uso dos R$ 36,6 milhões a que teria direito no fundo eleitoral, mesma atitude adotada em 2018. Os recursos permanecerão no Tesouro Nacional.
“O partido acredita que as campanhas devem ser financiadas, voluntariamente, por aqueles que acreditam nos partidos e nos candidatos que desejam apoiar. O dinheiro dos impostos deve ir para serviços essenciais, como educação, segurança e saúde”, disse a sigla, em nota.
Tanto o valor do fundo partidário quanto o valor do fundo eleitoral são decididos pelo Congresso, em negociação com o governo.
Como estabelece a lei, o que for aprovado por deputados e senadores para o Orçamento do ano seguinte pode ser vetado pelo presidente. Esse veto pode, posteriormente, ser derrubado pelo Congresso, que tem a palavra final.
Até 2015, a principal fonte de recursos de partidos e das campanhas políticas vinha de grandes empresas, como bancos e empreiteiras. Só a JBS, a campeã de doações a políticos em 2014, destinou quase R$ 400 milhões naquele ano.
Essas doações entraram no olho do furacão por causa da operação Lava Jato. A JBS, por exemplo, foi o pivô da pior crise política do governo de Michel Temer (2016-2018). Executivos da gigante das carnes afirmaram, em delações, que pagaram propina travestidas como doações eleitorais, registradas ou não, a quase 2.000 políticos.
Em 2015, o Supremo Tribunal Federal decidiu proibir o financiamento empresarial, sob o argumento de que o poderio econômico afeta o desejado equilíbrio de armas entre os candidatos. Em reação a isso, o Congresso aprovou em 2017 a criação do fundo eleitoral (até então só existia o partidário).
Além dos dois fundos, outra fonte pública de financiamento dos candidatos é a renúncia fiscal dada a rádios e TVs para a veiculação da propaganda eleitoral.
Fora dos cofres públicos, partidos e candidatos podem receber dinheiro de pessoas físicas, limitado a 10% da renda da pessoa no ano anterior. Por fim, candidatos podem financiar as próprias campanhas até o limite permitido para o cargo disputado —R$ 2,5 milhões no caso de deputado federal, por exemplo.
O autofinanciamento é uma das brechas que ainda beneficiam os candidatos mais ricos. Outra é a burla à proibição da doação empresarial que se dá por meio de financiamento que vem não mais da empresa, mas de seus executivos, como pessoa física.
Em 2018, por exemplo, a Folha identificou que ao menos 40 companhias tiveram mais de um executivo financiando partidos ou candidatos, o que ajudou a eleição de 53 congressistas.