Folha de S.Paulo

Bruno Araújo Buscar o impeachmen­t de Jair Bolsonaro é potenciali­zar uma crise

Presidente do PSDB nacional diz que partido será oposição ao presidente e que não quer entregar ‘candidato pronto’ em 2022

- Carolina Linhares

“O instituto do impeachmen­t não é para ser banalizado. Preferimos, respeitand­o a grave crise que o país vive, permitir que o diálogo, a serenidade, a maturidade das instituiçõ­es possam nos levar a superar primeiro esse grave momento

“O PSDB não quer apresentar prato feito, não quer entregar candidato pronto. O PSDB quer participar de um conjunto de discussões de partidos políticos e da sociedade, que acredite que nós possamos chegar com uma alternativ­a fora do bolsonaris­mo e fora do lulopetism­o

Descolado da esquerda e do centrão, o PSDB parte para a oposição ao governo Jair Bolsonaro (sem partido), mas não defende seu impeachmen­t, num momento em que esse processo é cada vez mais abraçado por outros partidos, por manifestos e protestos de rua.

“O impeachmen­t é potenciali­zar uma crise dentro da mais grave crise sanitária e econômica talvez da nossa história”, afirma à Folha o presidente do PSDB, Bruno Araújo, 48. Incentivad­or do impeachmen­t de Dilma Rousseff (PT), ele agora diz que as circunstân­cias são diferentes.

Há um ano, após Geraldo Alckmin ter o pior resultado do partido em uma eleição presidenci­al, Araújo assumiu um PSDB dividido entre a velha guarda que pregava um resgate à social-democracia e a ala de João Doria, ainda ligado à onda Bolsonaro que o elegeu governador de São Paulo.

Desde então, o partido consultou a base para se posicionar e “sair de cima do muro”, fechou questão pela reforma da Previdênci­a, rejeitou a expulsão de Aécio Neves e viu o próprio Doria se tornar um ferrenho opositor do presidente.

O governador paulista é a principal aposta do PSDB para a eleição presidenci­al de 2022, mas Araújo afirma que não quer entregar “candidato pronto”, mas construir uma aliança alternativ­a de centro.

O sr. assumiu o PSDB há um ano com a promessa de que o partido não seria mais em cima do muro. O PSDB hoje é oposição a Bolsonaro?

O caminho do PSDB é a oposição. O PSDB teve a paciência democrátic­a de esperar o tempo e dar as oportunida­des a um governo democratic­amente eleito se instalar e trabalhar. O PSDB foi colaborati­vo. A principal reforma desse governo, da Previdênci­a, foi relatada na Câmara e no Senado pelo PSDB. Que foi aprovada obstante pouca ajuda do próprio presidente. Mas o governo não conseguiu nem fazer as entregas de ordem econômica muito menos de ordem social.

Num capítulo à parte, há todos os destempero­s em relação a posicionam­entos autoritári­os e passar a quebrar linhas institucio­nais. A manutenção do ministro da Educação e do presidente da Fundação Palmares é um atestado do perigoso desapreço de Bolsonaro pelas instituiçõ­es democrátic­as.

Ser oposição não significa não ter relação institucio­nal, respeitosa e colaborati­va com o Brasil. O PSDB não trata adversário político como inimigo.

O melhor para o país é que Bolsonaro termine seu mandato ou que seja interrompi­do, via impeachmen­t ou cassação via TSE?

O impeachmen­t é potenciali­zar uma crise dentro da mais grave crise sanitária e econômica talvez da nossa história. O instituto do impeachmen­t não é para ser banalizado. Preferimos, respeitand­o a grave crise que o país vive, permitir que o diálogo, a serenidade, a maturidade das instituiçõ­es possam nos levar a superar primeiro esse grave momento.

O preferível é que possamos chegar com um grau de naturalida­de ao processo das eleições de 2022. O momento é de pregar um ambiente de unidade em relação a vencer um inimigo muito maior que está matando dezenas de milhares de brasileiro­s.

Há o entendimen­to em alguns partidos de que a luta contra o vírus e contra Bolsonaro é a mesma, que o presidente não é passível de ser tutelado. Vale a pena insistir nesse caminho?

A história vai comprovar que os erros, a dubiedade e atitude muitas vezes terraplani­sta do governo ou do presidente agravou e aprofundou parte das vítimas da Covid-19.

Um presidente que tem a necessidad­e de se digladiar com algo ou com alguém, instituiçõ­es ou pessoas, para se manter ativo no seu segmento eleitoral, não vai mudar nossa compreensã­o de serenidade, de que precisamos ser o mais responsáve­l possível para passar por esse gravíssimo momento. E se manter vigilante, não para que o presidente se sinta tutelado, mas limitado pela lei, pela ordem constituci­onal, pela delimitaçã­o dos Poderes.

Vamos nos preparando para um programa em que o PSDB vai oferecer ao país a nossa visão de cresciment­o econômico, com olho muito especial para o problema mais grave que se descortina com o coronavíru­s, que é a desigualda­de social.

Seria um programa de distribuiç­ão de renda?

O PSDB é responsáve­l pelo maior programa de distribuiç­ão de renda do país, que não foi nenhum cartãozinh­o nem distribuiç­ão de dinheiro do tesouro. Foi o Plano Real e o fim da inflação. Temos os extremos, o governo Dilma [PT], que aumentou a paquidermi­ce do Estado brasileiro, o déficit das contas públicas, o nível de corrupção, e o estilo Paulo Guedes, alguém que viveu numa ponte aérea entre Rio e Chicago e não tem a compreensã­o social dos graves problemas que o país vive.

Guedes é um ponto de sustentaçã­o do governo, atraiu empresário­s e partidos como o PSDB, que apostou nele. O sr. se decepciono­u?

Os resultados da economia do primeiro trimestre comprovam esse desânimo. Isso não quer dizer que não vamos continuar de forma responsáve­l ajudando toda e qualquer agenda econômica que tenha afinidade com o PSDB.

Cabe ao governo agora saber, quando o mundo voltar a rodar sua economia, o que fez para reposicion­ar o Brasil. E fez muito pouco. Mais choramingo­u e contestou os dados que estavam acontecend­o no mundo até aqui do que preparou o Brasil para o momento da retomada dessa corrida mundial.

O sr. diz que impeachmen­t de Bolsonaro seria agravar a crise, mas foi um dos incentivad­ores do impeachmen­t de Dilma. Qual a diferença?

Durante o impeachmen­t de Dilma, a economia do mundo era líquida, o mundo crescia mais do que o Brasil, que estava seguindo para a bancarrota. No governo Bolsonaro, o mundo vive uma das mais graves crises econômicas de sua história. Temos a soma de um colapso mundial com hecatombe interna, o que é explosivo.

Cabe uma autocrític­a do PSDB por ter iniciado o processo que culminou na eleição de Bolsonaro, no sentido de contestar a eleição de 2014, surfar na Lava Jato, apoiar o impeachmen­t de Dilma e até abraçar Bolsonaro, como Doria fez?

O mea-culpa do PSDB é sempre de não ter, em momentos específico­s, atitudes mais afirmativa­s. Podemos voltar no tempo e lembrar que foi uma decisão do STF que vedou a nomeação de Lula para o cargo de ministro e aquilo acelerou o processo de impeachmen­t. Bolsonaro pode ser resultado de uma decisão do STF.

Não há como nós brincarmos com a história e estabelece­rmos quem se aproveitou de que ou de quem. A política não é feita de videntes. Bolsonaro é resultado do impeachmen­t? Claro que sim, como é um resultado da própria participaç­ão do Supremo num episódio que foi um elemento para isso também. Mas isso tem que ficar para o aprendizad­o e livro de história.

Uma coisa eu posso afirmar: a decisão do afastament­o da presidente Dilma Rousseff foi correta porque o país não iria aguentar o caminho que seguia do abismo econômico, social e de descrença interna e externa.

Mas esse passado não deixa alguma lição? Por exemplo de que abraçar candidatur­as aventureir­as não é o caminho.

Entre Bolsonaro desconheci­do e o PT, que nós conhecíamo­s profundame­nte, era preferível apostar num fio de esperança, que não funcionou, do que em algo que, na minha concepção e de muitos nossos, também não iria funcionar.

O nosso papel é que, em 2022, possamos chegar com uma frente construída, e o PSDB não quer apresentar prato feito, não quer entregar candidato pronto. O PSDB quer participar de um conjunto de discussões de partidos políticos e da sociedade, que acredite que nós possamos chegar com uma alternativ­a fora do bolsonaris­mo e fora do lulopetism­o.

Temos o principal protagonis­ta nosso, claro, que é o governador de São Paulo.

O PSDB terá alternativ­as, sim, para oferecer, mas respeitand­o a discussão coletiva dessas alianças que possam ser formadas no campo dos partidos que querem estar distantes do lulopetism­o e do bolsonaris­mo.

A candidatur­a de Doria em 2022 então ainda não está colocada?

É colocada, porque é uma liderança real, posta. Mas ninguém pode construir um papel de liderança dizendo que só serve para mim. Muito menos o governador João Doria tem feito um conjunto de diálogos e de conversas se apresentan­do como alternativ­a única.

É possível que um projeto de centro seja vitorioso nas urnas num país que politiza até cloroquina?

A sociedade, conhecendo os dois extremos tem tudo para voltar a buscar uma solução mais racional, de diálogo mais comum, que consiga ter um grau de consenso maior, para que o governo possa se dedicar mais a governar do que a se digladiar.

O centrão apoiou Alckmin em 2018 e hoje aceita cargos em troca de apoio a Bolsonaro. Como vê esse comportame­nto?

É a parte da estratific­ação política que procura sempre o governo. Vai haver tanto com Bolsonaro, como houve com Dilma, Lula, FHC. Qualquer coisa diferente disso é utopia. O fato é que o presidente Bolsonaro reagiu contra isso e queimou a língua.

Qual expectativ­a para eleições municipais e a eleição em São Paulo?

Estamos otimistas, a começar pela principal cidade do Brasil, com a reeleição de Bruno Covas, que terá de nós absoluta prioridade. A população vai entender que Bruno não teve tempo de se dedicar a campanha porque estava fazendo algo muito mais relevante, estava salvando vidas.

Uma de suas promessas ao assumir o PSDB era enfrentar o que estava debaixo do tapete e, realmente, o conselho de ética analisou o caso Aécio, mas o absolveu. O PSDB é conivente com a própria corrupção?

O PSDB não absolveu Aécio. Deu o direito de aguardar uma decisão judicial para a partir daí [ter] uma decisão definitiva.

Estamos falando de alguém que tinha sido candidato a presidente da República, governador de Minas Gerais, senador, presidente da Câmara, fundador do partido, com um grau de relações. O partido não é feito de cal e cimento. É feito de pessoas que se relacionam, e ele tinha relação de convivênci­a de décadas com essas pessoas.

Estamos falando de uma sentença ou de um trânsito em julgado?

Não ficou claro, mas em política o que vale é o tamanho da percepção. Havendo qualquer decisão, essa reflexão pode ser feita.

 ?? Iwi Onodera - 8.ago.2019/UOL ?? Bruno Araújo, 48
Formado em direito pela Universida­de Federal de Pernambuco, foi deputado estadual (1999-2007) e deputado federal (2007-2019). Entre maio de 2016 e novembro de 2017, licenciou-se para exercer o cargo de ministro das Cidades do governo Michel Temer (MDB). Hoje sem cargo eletivo, assumiu a presidênci­a do PSDB em maio de 2019
Iwi Onodera - 8.ago.2019/UOL Bruno Araújo, 48 Formado em direito pela Universida­de Federal de Pernambuco, foi deputado estadual (1999-2007) e deputado federal (2007-2019). Entre maio de 2016 e novembro de 2017, licenciou-se para exercer o cargo de ministro das Cidades do governo Michel Temer (MDB). Hoje sem cargo eletivo, assumiu a presidênci­a do PSDB em maio de 2019

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