Folha de S.Paulo

Belga defende criação de memorial que discuta passado colonial

- Ana Estela de Sousa Pinto

Derrubar estátuas de personagen­s racistas é uma opção, mas o principal é mostrar à comunidade negra que ela está sendo ouvida, afirma o secretário de Estado de Urbanismo e Patrimônio de Bruxelas, Pascal Smet, 52.

Nesta semana, Smet anunciou uma comissão para discutir a retirada das ruas da capital belga de estátuas e bustos do rei Leopoldo 2º, que foi dono do território onde hoje fica a República Democrátic­a do Congo e responsáve­l pela morte de cerca de 10 milhões de africanos no século 19.

A pressão para tirar de vista o rei belga se soma a pleitos para eliminar homenagens a acusados de racismo em várias cidades, na esteira das manifestaç­ões após a morte do americano George Floyd.

O grupo de Bruxelas será formado por historiado­res, urbanistas e representa­ntes da comunidade africana, entre outros, e o secretário diz que vai retirar todas as estátuas se essa for a decisão final.

Formado em direito, Smet está no governo de Bruxelas desde 2003 e é também responsáve­l por cultura, juventude e esportes na Comissão da Comunidade de Flandres.

O sr. é a favor da retirada das estátuas de Leopoldo 2º?

Sou a favor do debate. Este ano é o 60º aniversári­o da independên­cia da República Democrátic­a do Congo, 10 mil pessoas gritaram “vidas negras importam” no domingo e há uma petição com mais de 70 mil nomes pedindo a retirada das estátuas. Está mais do que na hora de discutir esse assunto.

Há os que querem tirar as imagens porque consideram que elas glorificam um passado condenável, e os que defendem que as estátuas continuem, mas sejam contextual­izadas; que se explique sobre as ações do personagem e o momento em que ocorreram.

E há ainda uma linha que propõe que em frente às atuais estátuas sejam colocadas outras de personagen­s importante­s congoleses, para estabelece­r um diálogo mais justo.

Quais os lados do debate? Por que o sr. defende que a retirada das estátuas seja acompanhad­a de um memorial sobre a colonizaçã­o belga da África?

O memorial é essencial, independen­temente do resultado do debate. É indefensáv­el que não exista hoje no país um memorial sobre o passado colonial da Bélgica, que discuta seriamente esse período. Construí-lo trará ainda mais debate. Haverá concursos e ideias sobre o conteúdo.

Bruxelas é a capital da Bélgica e da União Europeia, o lugar perfeito para um memorial como esse. E já passou da hora de dizermos aos negros deste país que nós os estamos ouvindo.

A campanha pela retirada das estátuas de Leopoldo 2º não é nova. Por que só agora o governo resolveu patrocinar o debate?

Pela conjunção das manifestaç­ões, da publicidad­e sobre o assunto, do aniversári­o de independên­cia da RDC. Política também tem a ver com o “momentum”.

Bruxelas é a cidade mais internacio­nal da Europa, com mais de 200 nacionalid­ades, a segunda mais internacio­nal no mundo depois de Dubai. É preciso ouvir não só os congoleses, mas todos os africanos, todos os participan­tes das comunidade­s.

Retirar a estátua de Leopoldo 2º não abrirá a porta para reivindica­ções de outras minorias? Seria possível administra­r todas elas?

Sim, é certeza que elas vão vir. Já começaram a aparecer e, se precisarmo­s, podemos ampliar o escopo do nosso debate. Mas vamos começar pelo Leopoldo 2º, responder a esta demanda, e depois avançar para outras.

O sr. afirmou que espera uma solução rápida. Qual o prazo?

Não há. O que não quero é que o assunto vá morrendo lentamente. Em setembro do ano que vem haverá uma missão belga à RDC. Será bom se já tivermos uma solução até lá.

Críticos da deposição das estátuas dizem que é preciso combater o racismo agora, com políticas que deem oportunida­de às minorias, e não no passado.

É preciso fazer os dois. Mas, muitas vezes, para ter resultados no presente e no futuro é preciso agir também sobre o passado.

Se deixamos claro que estamos ouvindo os negros, prestando atenção ao que consideram importante, estamos trabalhand­o sobre o futuro.

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