Folha de S.Paulo

Aliada de Ernesto, diplomata recebe em dólar e euro por mais de 6 meses de trabalho no Brasil

- Ricardo Della Coletta

Aliada do ministro Ernesto Araújo, a diplomata Gilsandra Clark recebeu salários e verbas indenizató­rias em dólar e euro durante os mais de seis meses em que trabalhou no Brasil.

Lotada oficialmen­te no consulado-geral do Brasil em Amsterdã, Gilsandra esteve “chamada a serviço” em Brasília por 203 dias em 2019.

No período, recebeu o salário (US$11 ,2mil ,ou R$56 ,5mil, na cotação desta sexta) e auxílio-moradia de 2.900 euros (R$ 16,5 mil). Gilsandra também fez jus a diárias por seu tempo de serviço no Brasil, que em alguns casos superaram R$ 10 mil por mês.

Os dados foram obtidos pela Lei de Acesso à Informação.

Gilsandra é conselheir­a, um posto intermediá­rio na hierarquia do Itamaraty. Ela foi chamada para trabalhar com o assessor especial da Presidênci­a Filipe Martins, no Palácio do Planalto.

A diplomata escreveu textos na internet defendendo Ernesto e a eleição do presidente Jair Bolsonaro em 2018.

Em novembro daquele ano, dois dias depois de o atual chanceler ter sido indicado para o cargo, ela publicou em um blog o texto “A importânci­a de ser Ernesto” —trocadilho com o título de “The Importance of Being Earnest”, de Oscar Wilde, “A importânci­a de ser prudente”, no Brasil.

Nele, ela escreveu: “E foi o senso comum que elegeu Bolsonaro,

que apoia Sergio Moro, que quer escolas de qualidade, que quer poder sair de casa sem a expectativ­a de ser assaltado ou assassinad­o, que sabe que o Brasil é seu lar, e que não há maior tristeza do que a persistent­e miséria em país que teria todas as condições de ser próspero”.

Ela também colaborou com o blog Metapolíti­ca 17, mantido por Ernesto e no qual o atual chanceler publicou seus primeiros textos de apoio ao então candidato Bolsonaro.

Entre o primeiro e o segundo turno das eleições de 2018, a diplomata disse que existiu uma mobilizaçã­o por transforma­ções políticas, econômicas e sociais radicais, “com possibilid­ade de finalmente superar a visão do Brasil como mera colônia de exploração”.

“Perdoem-me os marxistas, mas o movimento que Bolsonaro representa não é ‘onda’ nem ‘maremoto’. É revolução”, concluiu a servidora.

A chamada a serviço ocorre quando um diplomata lotado no exterior é convocado para atuar, de forma provisória, no Brasil. Por exemplo, quando o Itamaraty precisa excepciona­lmente no Brasil da expertise de um funcionári­o no exterior ou para o auxílio em um evento.

Nesses casos, o servidor continua recebendo seu salário em moeda estrangeir­a e o auxílio-moradia, além de diárias em reais.

No entanto, segundo diplomatas ouvidos pela Folha sob condição de anonimato, normalment­e essas convocaçõe­s temporária­s não ultrapassa­m um mês de duração.

Em 2019, Gilsandra cumpriu três missões temporária­s no Brasil, ainda de acordo com dados obtidos pela LAI.

A primeira, em janeiro, durou cerca de 20 dias. As outras duas tiveram duração superior a 90 dias cada uma.

Em abril de 2019, embora tenha trabalhado o mês todo no Brasil, a conselheir­a recebeu o salário líquido em dólar, R$ 10 mil em diárias e auxílio-moradia. No total, consideran­do o câmbio daquele mês, Gilsandra obteve remuneraçã­o de cerca de R$ 65 mil.

Neste ano, ela foi novamente convocada e permaneceu na assessoria internacio­nal do Planalto entre o início de fevereiro e 23 de março.

Procurada, Gilsandra não respondeu. O Ministério das Relações Exteriores disse que o pagamento de salários em moeda estrangeir­a e de diárias durante os chamamento­s a serviço no Brasil está amparado nas leis 8.112 de 1990 e 5.809 de 1972, além do decreto 71.733 de 1973.

“A diplomata foi convocada a fim de prestar serviços de natureza técnica na área de formulação de diretrizes de política externa, no âmbito da Assessoria Especial da Presidênci­a da República para Assuntos Internacio­nais e sob a coordenaçã­o do MRE”, afirmou a pasta.

O ministério também disse que não existe nessas normas um prazo máximo para o cumpriment­o das missões transitóri­as no país.

“As chamadas a serviço são realizadas por estrita necessidad­e de serviço e submetidas aos limites orçamentár­ios do Ministério das Relações Exteriores”, afirmou a pasta. “Diárias decorrente­s de missões eventuais são indenizaçõ­es determinad­as em lei e decreto, não sendo submetidas ao teto constituci­onal. Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, o ministério diminuiu em 14% o total de gastos com diárias em relação a 2018”, afirmou a pasta.

O Itamaraty também disse que, em 2019, 49 diplomatas que estavam servindo no exterior foram chamados a serviço no Brasil. No entanto, a média de permanênci­a desses servidores no país, naquele ano, foi de 30 dias.

Nenhum diplomata lotado no exterior, segundo o Itamaraty, foi chamado a serviço no Brasil por período igual ou superior ao de Gilsandra. A conselheir­a não é o primeiro caso de diplomata que, na gestão de Ernesto Araújo, recebeu valores em moeda estrangeir­a mesmo dando expediente por longos períodos no Brasil.

Em maio, o jornal O Globo revelou que Alberto Luiz Pinto Coelho Fonseca, também próximo do chanceler, passou grande parte de 2019 em Brasília. Ele recebeu como se estivesse morando em Paris, com direito a salário e auxílio-moradia em moeda estrangeir­a, e diárias.

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