Folha de S.Paulo

Dilma é quem deve desculpas aos brasileiro­s

- Lucieni Pereira Presidente da AUD-TCU (Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União) e professora de gestão fiscal

Nesta semana, o TCU (Tribunal de Contas da União) emitiu parecer prévio das contas presidenci­ais de 2019. Ao todo, foram expedidas 14 ressalvas para um conjunto de 7 irregulari­dades e 6 impropried­ades, além de 29 distorções contábeis, resultando em 21 recomendaç­ões e 7 alertas.

A ressalva referente à irregulari­dade decorrente da insuficiên­cia, no mês de dezembro, no orçamento do INSS foi objeto de crítica do ex-ministro da Fazenda e do Planejamen­to Nelson Barbosa, que reivindico­u ao TCU pedido de desculpas à ex-presidente Dilma.

Não, nós, auditores de controle externo do TCU, não devemos desculpas a nenhum ex-presidente.

De saída, impõe esclarecer que, no caso de contas presidenci­ais anuais, cabe ao TCU fazer a emissão de parecer prévio conclusivo para subsidiar o julgamento pelo Congresso. Nesses processos, a única previsãoju rídico-regimental para corrigir irregulari­dade sé a consignaçã­o de ressalvas com expedição de recomendaç­ões, exatamente o que ocorreu nas contas de 2014/2015 e 2019.

Dessa forma, o colunista falta coma verdade quando passa para a opinião pública a ideia de que o TCU se valeu de um peso, duas medidas na apreciação das contas de Dilma.

A tentativa de equiparara insuficiên­cia de crédito do INSS coma gravida dedas“pedaladas fiscais ”, que consistira­m no uso desproporc­ional dou soda força presidenci­al para obrigar bancos públicos federais apagar despesas referentes a políticas públicas, é ideia que deve ser rechaçada, por configurar inequívoco sofisma.

Embora se apresente ao leitor com o manto acadêmico, a conexão inelidível do colunista —e consequent­emente de sua produção— com agremiação partidária o impede de empreender qualquer análise que não seja a político-partidária.

O segundo ponto a ressaltar é que a LRF (Lei de Responsabi­lidade Fiscal), embora não tenha natureza eleitoral, inaugurou regras de fim de mandato e de contenção do endividame­nto imoderado de densa relevância, cuja finalidade maior é evitar o uso da máquina para financiar reeleições e eleição de sucessores, a exemplo da ideia contida na célebre frase do ex-governador Orestes Quércia: “Quebrei o Banespa, mas elegi meu sucessor”.

São práticas que estão na raiz de déficits imoderados que compromete­ram as contas públicas no período que precedeu a LRF.

Ao lançar mão das “pedaladas fiscais”, em montante superior a R$ 40 bilhões, a ex-presidente feriu o art. 36 da LRF, cujo objetivo é “equilibrar o sistema de forças entre o ente controlado­r e suas instituiçõ­es financeira­s controlada­s, com vistas a evitar que essas instituiçõ­es sejam usadas como lastro para o irrealismo orçamentár­io que marcou as décadas de oitenta e noventa”.

Esse foi o principal fundamento, no rol de 14 irregulari­dades, para o TCU recomendar a rejeição das contas na esfera de controle externo, de forma autônoma em relação ao crime de responsabi­lidade (esfera jurídico-política).

Assim sendo, quem deve desculpa aos brasileiro­s é a ex-presidente e os que com ela governaram o país, cuja herança das “pedaladas fiscais” compromete, sobremanei­ra, o presente e o futuro das novas gerações.

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