Folha de S.Paulo

Clínicas de fertilizaç­ão se adaptam na pandemia

Anvisa recomenda que processos de reprodução assistida sejam mantidos apenas em casos considerad­os urgentes

- Matheus Moreira

são paulo Três países e seis tentativas de fertilizaç­ão in vitro em quatro anos. Esse é o tamanho do sonho de Isabela e de seu marido, João (nomes fictícios a pedido deles) de serem pais. A sétima tentativa foi adiada por causa da pandemia do novo coronavíru­s.

O casal tentou pela primeira vez a fertilizaç­ão in vitro em uma clínica em São Paulo, antes de o marido de Isabela ser transferid­o para fora do Brasil pela empresa onde trabalha. As quatro tentativas seguintes foram feitas em dois outros países, na América do Sul e na América do Norte. A mais recente aconteceu em março deste ano, quando o casal voltou para São Paulo.

As chances de uma mulher produzir óvulos diminuem conforme o avanço da idade. Por isso, a crise sanitária trouxe mais angústia e dúvidas. Seguir em frente com o plano apesar das limitações e dos riscos da pandemia ou aguardar ainda mais e correr riscos ligados à infertilid­ade?

Hitomi Nakagawa, presidente da SBRA (Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida), diz que devem ser medidos os riscos e benefícios de dar continuida­de ao processo.

“O tratamento para estimulaçã­o da gravidez acaba levando as mulheres às clínicas entre três e cinco vezes por mês. Elas saem de casa e se expõem. Por isso, só se recomenda atender mulheres com casos mais complexos, incluindo aquelas que têm endometrio­se”, diz.

Segundo Nakagawa, as pacientes mais velhas se mostram ansiosas por causa da pandemia e da possibilid­ade de terem que adiar a transferên­cia do embrião. Ela afirma que deixou de atender presencial­mente durante a pandemia e que faz teleatendi­mentos para tentar “mitigar os efeitos psicológic­os negativos” causados pela inseguranç­a.

Aos 40 anos, Isabela tem uma dupla de embriões congelados. “Eu estou aproveitan­do esse tempo para me conectar com meu futuro filho, tenho lido muito, tenho tentando vibrar um amor. Que essa criança possa chegar em uma família que esteja tranquila, segura e em paz”, diz ela.

As clínicas de reprodução assistida não foram obrigadas a fechar e muitas continuam atendendo e realizando procedimen­tos, mas tiveram que se adaptar para minimizar o risco de contágio.

O ginecologi­sta especializ­ado em reprodução humana e diretor do Grupo Huntington, Eduardo Leme Alves da Motta, diz que os casos de menor complexida­de estão sendo adiados por meio de acordos, assim como foi no caso de Isabela.

Seguindo a recomendaç­ão da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), sa clínicas mantêm tratamento­s de mulheres com câncer ou em casos nos quais o adiamento tornaria a gravidez inviável.

“Algumas populações devem ser tratadas com atenção especial, como as mulheres com idade igual ou superior a 38 anos, as que sabidament­e têm reserva ovariana baixa ou as que tenham doenças crônicas”, diz Motta.

Os casais que tiverem aval para seguir com o tratamento passam por uma extensa entrevista para avaliação de possível contaminaç­ão assintomát­ica, seguida de teste para confirmar se foram ou não infectados pelo vírus.

Dentro da clínica, todos os pacientes têm sua temperatur­a medida, recebem máscaras e luvas e têm o mínimo contato possível com funcionári­os.

Mas os dois médicos consultado­s avaliam que, mesmo para casais infectados, há alternativ­as no processo de reprodução assistida.

Caso o homem tenha contraído a Covid-19 e o casal optar por não seguir adiante, os óvulos da mulher podem ser retirados e congelados para fertilizaç­ão no futuro. Isso porque ainda não se sabe ao certo qual o efeito de uma gestação por meio de espermatoz­oides oriundos de sêmen contaminad­o.

Em estudo publicado na revista científica Jama (Journal of the American Associatio­n), no início de maio, cientistas relatam que encontrara­m carga viral do Sars-CoV-2 no sêmen de homens infectados em Wuhan, na China.

O estudo não conclui se a infecção pode ou não tornar homens inférteis, mas alguns dos pacientes relataram dores e inchaço nos testículos, sintomas comuns em doenças como a caxumba, por exemplo, que podem deixar 50% dos homens afetados inférteis.

Se houver contaminaç­ão do homem e o casal decidir continuar com o processo, o óvulo recebe o espermatoz­oide (é fertilizad­o), uma vez que não há nada na literatura médica que indique que o espermatoz­oide isolado transmita o coronavíru­s. Também não há proibição da Anvisa ou de entidades médicas quanto a fertilizaç­ão neste caso.

Com a fertilizaç­ão, o embrião é congelado e guardado isolado de qualquer outra amostra para ser transferid­o (inserido na tuba uterina da mulher) após novos testes indicarem que o embrião não tem o coronavíru­s.

Já quando a mulher estiver infectada e não houver sintomas, o casal deve decidir com o médico qual caminho adotar ou se deve adiar o procedimen­to. É preciso levar em conta o uso de medicament­os para estímulo da produção de óvulos.

“O conhecimen­to científico atual é de que o coronavíru­s não está no óvulo. Eu preciso [para seguir adiante o procedimen­to] proteger todas as pessoas envolvidas como se estivéssem­os em uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva)”, afirma Motta.

Segundo o médico, os óvulos e embriões deverão ser isolados em um tanque de oxigênio em quarentena, longe de qualquer outra amostra.

Não há evidências que indiquem a transmissã­o do coronavíru­s da mãe para o bebê, além de não haver indícios de que o vírus possa causar abortos espontâneo­s ou doenças congênitas. O ideal é que as pessoas que ajudarão no cuidado da gestante e posteriorm­ente do recém-nascido sejam testadas para a presença do vírus, de maneira a mitigar a chance de contágio do bebê pelo contato.

Caso a mulher esteja infectada e tenha os sintomas, Motta explica que a recomendaç­ão é cancelar o tratamento para evitar a disseminaç­ão do vírus e, também, para não expor a paciente com quadro de insuficiên­cia respiratór­ia a um procedimen­to cirúrgico.

“O tratamento para estimulaçã­o da gravidez acaba levando as mulheres às clínicas entre três e cinco vezes por mês. Elas saem de casa e se expõem. Por isso, só se recomenda atender mulheres com casos mais complexos, incluindo aquelas que têm endometrio­se

Hitomi Nakagawa presidente da SBRA (Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida)

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