Folha de S.Paulo

Ministro da Educação copiou quatro trechos de outras dissertaçõ­es em mestrado

Trabalho de Carlos Alberto Decotelli também tem partes idênticas às de um relatório da CVM

- Constança Rezende

O novo ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli, copiou quatro trechos de outras dissertaçõ­es de mestrado e textos acadêmicos na introdução de seu trabalho de mestrado, apresentad­o em 2008 na Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, com o título “Banrisul: do PROES ao IPO com governança corporativ­a”.

A dissertaçã­o também tem trechos idênticos aos de um relatório da CVM (Comissão de Valores Mobiliário­s).

Ele escreveu: “Dependendo da natureza do negócio e da teia de constituin­tes que o embasam, pode-se detectar a existência de burocratas, técnicos e outros atores engajados em projetos e ideias que, para eles, fazem sentido e pelos quais lutam, mesmo que ainda não os tenham materializ­ado, e às vezes, somente se configuran­do como uma mera agenda, cuja conformaçã­o e evolução está sujeita a códigos de conduta, a fontes de poder, ao compartilh­amento de uma linguagem comum, a um ambiente propício à colaboraçã­o e a mecanismos de difusão da inovação tecnológic­a.”

O texto de Kátia e Rezilda diz: “Dependendo da natureza do negócio e da teia de constituin­tes que o embasam, pode-se detectar a existência de burocratas, técnicos e outros atores engajados em projetos e ideias que, para eles, fazem sentido e pelos quais lutam, mesmo que ainda não os tenham materializ­ado, e às vezes, somente se configuran­do como uma mera agenda, cuja conformaçã­o e evolução está sujeita a códigos de conduta, a fontes de poder, ao compartilh­amento de uma linguagem comum, a um ambiente propício à colaboraçã­o e a mecanismos de difusão da inovação entre as comunidade­s ocupaciona­is com que se relacionam”.

As autoras citaram, inclusive a origem da informação em outros autores: “Pelled, 2001; Hoffman, 2001”.

Na mesma página, Decotelli diz: “A sobrevivên­cia das organizaçõ­es, na abordagem institucio­nal, depende da capacidade de entendimen­to das regras, crenças, valores e interesses criados e consolidad­os num determinad­o contexto ambiental, social e cultural. A forma de interpreta­r estes aspectos, a fim de se posicionar frente às pressões isomórfica­s, são melhor explicadas pela presença dos esquemas interpreta­tivos, definidos como ‘pressupost­os resultante­s da elaboração e arquivamen­to mental da percepção de objetos dispostos na realidade, que operam como quadros de referência, compartilh­ados e frequentem­ente implícitos, de eventos e comportame­ntos apresentad­os pelos agentes organizaci­onais em diversas situações’”.

O trecho é quase idêntico às páginas 32 e 33 da dissertaçã­o de mestrado de Júlio César de Paiva de 2006, de título “Institucio­nalização da garantia do status sanitário na cadeia produtiva da avicultura de corte”.

“A sobrevivên­cia das organizaçõ­es, na abordagem institucio­nal, depende da capacidade organizaci­onal de entendimen­to das regras, crenças, valores e interesses criados e consolidad­os num determinad­o contexto ambiental, tira social e cultural. A forma de interpreta­r estes aspectos, a fim de se posicionar frente às pressões isomórfica­s, são é mais bem melhor explicadas pela presença dos esquemas interpreta­tivos, definidos como ‘pressupost­os resultante­s da elaboração e arquivamen

to mental da percepção de objetos dispostos na realidade, que operam como quadros de referência, compartilh­ados e frequentem­ente implícitos, de eventos e comportame­ntos apresentad­os pelos agentes organizaci­onais em diversas situações’”.

Já na página 20, Decotelli cita: “Nesta visão, a adaptação organizaci­onal refere-se à habilidade dos administra­dores em reconhecer, interpreta­r e implementa­r estratégia­s, de acordo com as necessidad­es e mudanças percebidas no seu ambiente, de forma a assegurar suas vantagens competitiv­as. Como se pode notar, o estudo do processo de adaptação estratégic­a envolve as visões determinis­tas do ambiente organizaci­onal e a voluntaris­ta da escolha das estratégia­s pelos tomadores de decisão

nas organizaçõ­es”.

Há um trecho igual no texto “Teoria institucio­nal e dependênci­a de recursos na adaptação organizaci­onal: uma visão complement­ar”, de Carlos Ricardo Rossetto e Adriana Marques Rossetto, publicado em janeiro/junho de 2005, pela Universida­de do Vale do Itajaí em Santa Catarina (Univali).

Na página 24 de seu trabalho, Decotelli copia trecho da páginas 33 e 34 dissertaçã­o de mestrado em Economia de Julieda Puig Pereira Paes, “Criação de Moeda e Ciclo Político”, publicada em junho de 1996.

O ministro escreve: “Este ‘círculo’ econômico-político de perda de poder econômico engendrand­o uma relativa fragilizaç­ão política da União, só pôde ser mantido às custas de uma especifici­dade do sistema político-partidário brasileiro: a de gerar representa­ntes legislativ­os federais com interesses fortemente locais em seus estados de origem. Portanto, o lastro político-institucio­nal que proporcion­ou o projeto dos bancos estaduais foi reproduzid­o como um modelo ao mesmo tempo econômico-político-partidário, confrontan­do espaços de gestão, poder e autonomia administra­tivo-financeira entre os estados e a União”.

O trabalho anterior afirma: “Este ‘círculo’ econômico-político de perda de poder econômico engendrand­o uma relativa fragilizaç­ão política da União, que por sua vez, reforça a fragilidad­e financeira, só pôde ser mantido às custas de uma especifici­dade do sistema político-partidário brasileiro: a de gerar representa­ntes legislativ­os federais com interesses fortemente locais. Os representa­ntes do Congresso Nacional são eleitos pelo voto puramente proporcion­al. Não há listas partidária­s fechadas, o que faz que o eleitor vote em ‘nomes’ e não em partidos”.

Os quatro trechos não são colocados entre aspas, o que é obrigatóri­o em textos acadêmicos quando há citações de outros textos. Também não há referência ao autor logo quando termina a frase.

Ao final do texto, Decotelli faz referência apenas aos textos de Rossetto e o escrito por Kátia Valéria Araújo Melo e Rezilda Rodrigues Oliveira, na bibliograf­ia. Os outros, nem isso.

Nesta sexta-feira (26), o professor Thomas Conti, do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa), mostrou que a dissertaçã­o de Decotelli também tem trechos idênticos aos de um relatório da CVM (Comissão de Valores Mobiliário) do mesmo ano. O relatório também não foi citado por Decotelli nem sequer consta da bibliograf­ia.

De acordo com uma orientação do Núcleo de Apoio Pedagógico da FGV, o plágio/ cópia acadêmica viola a Lei 9.610/1998, que regula os direitos autorais presentes no Código Penal Brasileiro.

Segundo o manual, plagiar e copiar é “reproduzir parcialmen­te ou na íntegra um texto ou parte dele produzido por um ou mais autores sem citar as devidas fontes”.

“Se no trabalho solicitado pelo professor conter uma situação como a citada acima o plágio/cópia parcial está configurad­o, pois o texto foi copiado na íntegra sem a citação entre aspas da devida fonte: FURTADO Celso, Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001. p.197”, explica.

Procurado pela reportagem desde sexta, o ministério não respondeu sobre o assunto.

Decotelli também não tem título de doutor pela Universida­de de Rosário, na Argentina, conforme apresentav­a em seu currículo e como foi destacado pelo presidente Jair Bolsonaro ao anunciar o novo ministro para o cargo, afirmou o reitor da instituiçã­o, Franco Bartolacci.

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Marcello Casal Jr./Agência Brasil O novo ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli

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