Folha de S.Paulo

Ana Cristina Rosa A pele que habito

- Ana Cristina Rosa

As recentes declaraçõe­s do trineto de dom Pedro 2º, Bertrand de Orleans e Bragança, para quem no Brasil não existem diferenças raciais, ilustram bem a cena nacional.

Em meio aos debates internacio­nais sobre racismo, as recentes declaraçõe­s do trineto do imperador dom Pedro 2º, dom Bertrand de Orleans e Bragança, para quem no Brasil não existem diferenças raciais, ilustram bem a cena nacional. “Enquanto certos países têm um problema racial muito violento, aqui nós não temos. Aqui no Brasil, todos nós vivemos bem.”

Pode até ser que o mito da democracia racial brasileira subsista e faça algum sentido para quem não é negro —especialme­nte se for descendent­e de família real e desfrutar das benesses de um sistema estruturad­o para perpetuar a condição de privilégio racial branco.

Para quem é negro, a história é outra —e bem diferente.

Basta uma breve espiada no passado para que se vislumbre o sistema articulado para garantir a perpetuaçã­o da desigualda­de racial.

Se em tempos de escravidão os negros estavam condenados a ocupar a base da pirâmide social, em tempos de liberdade foram tomadas as devidas providênci­as para assegurar a manutenção do status quo. Dois exemplos oriundos do período do Império bastam para resumir a situação.

Em 1850, portanto antes da abolição, a Lei das Terras impedia o acesso à escola e à propriedad­e de terra por negros. Em 2020, passados 132 anos da Lei Áurea, a maioria dos trabalhado­res domésticos, dos ocupantes de subemprego­s e dos desemprega­dos é negra.

Em 1888, ano da abolição, proposta de lei criminaliz­ava a vadiagem para conter o potencial aumento da criminalid­ade em razão do número de negros libertos vagando pelas ruas, sem emprego e sem moradia. Hoje isso se traduz em uma população carcerária predominan­temente negra.

Por essas e muitas outras razões é que não se pode perder a perspectiv­a histórica em relação aos fatos. Conhecer e reconhecer o passado é fundamenta­l para entender o presente e projetar o futuro. Ah! Uma pitada de empatia e outra de senso crítico também ajudam bastante.

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